quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Salão Compostela

Isso aconteceu há algum tempo, quando eu resolvi tomar vergonha na cara e procurar um salão para cortar o cabelo - mesmo sabendo que já havia passado da hora de realizar tal procedimento - ainda assim eu fiquei com preguiça de procurar um local para fazê-lo. Como a má vontade era muita, eu resolvi arriscar em um velho salão aqui perto de casa. Quando eu me refiro a velho, eu quero realmente dizer velho... muito velho!

Imaginem só a minha alegria ao notar numa placa, do lado de fora, que o corte custava apenas 7,00 reais! Naquele momento o meu bolso ficou aliviado e eu sorri em pleno contentamento. Resolvi entrar no lugar e sentei em uma cadeira muito antiga para aguardar a minha vez; eu notei duas coisas interessantes logo de início: o senhor sentado na “cadeira do barbeiro” era muito velho e o outro que fazia a barba dele era ainda mais velho. Comecei a olhar ao redor e reparei que, na verdade, tudo naquele salão era velho – a começar pelo nome: Salão Compostela. O chão era velho, os móveis eram velhos, o calendário era muito velho, as revistas eram amarelas... nem preciso dizer que eram todas velhas (notei que algumas delas ainda falavam do Impeachtment do Collor!!!).

Em um primeiro instante eu pensei em sair dali, já que o lugar todo lembrava um mausoléu, mas um detalhe interessante me chamou a atenção: o senhorzinho que estava sentado na cadeira – tendo o seu cabelo cortado e barba sendo feita – estava tão plácido e tranqüilo, parecia-me que ele tinha algum problema de saúde que eu não soube identificar... Notei que o “barbeiro”, logo depois de terminar o serviço, penteou o cabelo daquele senhor quase que num gesto de carinho, como um afago paternal. É uma atenção que não se vê nos dias de hoje.

Foi então que o barbeiro (de muita idade) olhou de uma maneira tão simpática e apontou-me a cadeira (sim, a cadeira era muito velha). Eu não tive como recusar e, analisando melhor, eram apenas 7,00 reais! Maldita mania de ser canguinha!...

Sentei alegremente na cadeira que parecia um tanto desconfortável, mas só até o corpo acostumar-se com aquela peça quadrada e desajeitada. Um longo pano foi colocado sobre o meu corpo e cuidadosamente preso ao meu pescoço junto com uma pequena toalha branca. A pergunta habitual foi feita: “Como vai querer o corte?”. Dei os detalhes de como eu gostaria que o cabelo ficasse: primeiro o som da maquininha aparando a lateral da cabeça; uma borrifada com uma água cheirosa e a seguir o frenético picotar da tesoura no meu cabelo.

A princípio, como ele virou a cadeira para a rua, eu não fazia a menor idéia do q ele estava fazendo. Eu cheguei a temer pelo meu cabelo. Então comecei a reparar em outras coisas a minha volta na tentativa de desviar a atenção para o fato de eu achar que o meu cabelo ficaria uma merda. Eu sentia a tesoura passando no vazio, fazendo um barulho seco de metal contra metal, como se meu cabelo nem mesmo estivesse sendo cortado.

Dei uma olhadela pro lado com o intuito de descobrir o que estava sendo feito na minha cabeça e se aquele senhor não estava de sacanagem comigo – já que ele virava a cadeira de um lado a outro sem nunca deixá-la alinhada com o espelho – imaginei que meu cabelo estivesse uma bosta e ele não quisesse mostrar. A cena que eu presenciei ao olhar pro lado foi no mínimo inusitada: o velhinho estava jogando a dentadura de um lado pro outro dentro da boca e depois a colocava no lugar novamente. Em seguida ele dava aquela chupada de saliva e engolia para, logo em seguida, ficar jogando a dentadura de um lado ao outro da boca novamente. Eu tenho certeza que escutei um arroto num determinado momento.

Aquela cena ainda era engraçada, mas o que eu vi a seguir não tinha graça nenhuma: ele ficou girando a tesoura na mão e aquele negócio passava incrivelmente perto da minha orelha (não, ele não era o Sweeney Todd brasileiro). Foi inevitável sentir um arrepio de pavor ao ver aquele senhorzinho girando a tesoura no ar tão perto da minha cabeça. Eu achei que sairia daquele salão como mais um Van Gogh: como eu faria para usar os meus óculos sem uma orelha? Para o meu completo horror a tesoura escapou da mão dele, mas caiu sobre ele, o que fez com que parece imediatamente com aquela brincadeira de roleta russa.

Enfim a minha cadeira foi alinhada com o espelho e, para a minha surpresa, o corte ficou fantástico! Eu ainda tentei entender como ele cortou o meu cabelo sem nem eu mesmo sentir, mas nada como algumas décadas de experiência para fazer um serviço de primeira.

Trabalho de mestre, emoção garantida e um preço camarada... Não nego, virei cliente assíduo.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Sazonais Desgostos

Eu não insistirei no nosso amor,
não há mais nada a fazer,
apenas separarmos nossa dor
nos pertences que agora se vê.

Leve todos os discos - não os quero -
foram eles que embalaram as nossas vidas,
mas fico com os Pessoas e os Drummonds
que cuidarão das minhas tristezas ressequidas.

Esvazie os armários e poupe-me da dor
de ainda ter em suas roupas a lembrança
de que um dia partilhamos um amor.

Restará ainda o seu perfume nos lençóis
e no meu pente, um fio do seu cabelo;
em minhas memórias os felizes girassóis
e no meu peito o mais profundo desespero.

Quando então o tempo diluir as suas feições
e eu não mais recordar o seu rosto,
é porque a sua imagem foi embora com as monções
em uma vida de sazonais desgostos.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Foto Poema VI

Pimenta 
Fotografia de Dandara Borges http://www.flickr.com/photos/dandara_borges/1510687282

Em tua pequena garrafa, confinada ad aeternum,
permanece curtindo a gosto
junto às tuas irmãs de rubra veste.

Unida às tuas - em prece silenciosa -
desprende a tua essência do fogo, ardilosa,
em fino óleo de oliva.

E pobre daqueles que te tocarem,
pois mereces o menor dos potes:
aquele, reservado aos venenos mais fortes.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Desculpas

É, eu sei que tem 1 mês que não coloco nada por aqui e devo desculpas. Andei ocupado estudando. Nos próximos dias eu colocarei algo novo. Aguardem...

domingo, 15 de novembro de 2009

O Nosso Leito


Lancei-me ao nosso leito
ardendo de desejos, em loucura,
e tu me recebeste insensível com teus beijos
ainda que eu guardasse olhares de ternura.

Tentei tocar o teu corpo,

mas tu estavas tão fria, distante...
e ficava o teu gelo a contrastar com o meu fogo:
havia duas pessoas, apenas um amante.

Inutilmente vibrava no meu peito

um coração que por tantas vezes chorava:
eu sofria por senti-la morta em nosso leito,
eu sofria porque o nosso amor já se apagava.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Lição Póstuma


Sentado ao som do violão de Paulinho Nogueira, aquele homem de meia idade olhou o relógio e notou as horas passando. Quando lembrava das boas coisas, elas passavam rápido; quando os pensamentos eram de tristeza, os minutos se tornavam horas. É incrível como a nossa noção de tempo é relativa!

O homem tentava escrever alguma coisa, a sua alma pedia por isso, mas não havia nada de concreto que realmente o fizesse combinar umas palavras em busca de um poema ou um texto qualquer.

– Nada! Como pode? Sempre foi tão fácil escrever. O que incomoda tanto o meu coração que nenhuma inspiração parece estimulá-lo? – falou para si mesmo.

As horas passavam e parecia que aquela seca literária ainda estava muito longe de terminar. Preocupava-se com os prazos do fechamento do jornal, pois precisava logo enviar alguma coisa se tencionava manter a sua coluna semanal.

Em meio a uma inexplicável falta de idéias, resolveu deixar o notebook meio de lado e foi até um pequeno armário de madeira no canto da sala. Abriu uma pequena porta que resmungou, e o fez lembrar que alguns pingos de óleo se faziam necessários naquela velha dobradiça. Colocou de lado uma pequena placa e retirou uma caixa de sapatos bem desgastada, com as pontas amassadas e alguns pedaços de fita crepe segurando onde ela teimava em se desfazer. Sentou-se no chão embaixo de um abajur bem alto, acendeu-o, passou a mão pela tampa retirando uma espessa fuligem e era possível ler “Memórias: alegrias, frustrações e fuga da realidade”, tudo escrito com um pincel atômico azul.

O escritor olhou por alguns instantes para aquela caixa, hesitou. Havia tanto tempo que não a abria... Sentiu um leve calafrio percorrer a sua coluna, como um aviso para manter tudo ali dentro no mais completo esquecimento. Lembrou-se do prazo e que seu editor ficaria furioso se não houvesse algo para publicar. Respirou fundo e abriu a tampa, expondo uma grande quantidade de fotografias de todos os tamanhos.

Não havia uma maneira fácil de fazer aquilo, o único jeito era enfiar a mão ali dentro e começar a colocar para fora todas aquelas imagens de tantas épocas. Na ânsia de que alguma inspiração viesse ao seu encontro, o escritor virou todo o seu conteúdo no chão e o espalhou com as mãos. Todas aquelas fotografias pareciam formar um mosaico multicolorido da sua vida, e à primeira vista era até bonito de se ver. Ao dar uma boa olhada por cima começou a reconhecer alguns rostos do passado – muitos deles, ele fazia questão de esquecer –, mas uma fotografia em especial chamou a sua atenção; uma fotografia tão cheia de recordações que o fizeram abrir um sorriso quase instantâneo.

Lembrou-se daquela tarde de verão, do calor, da brincadeira com a mangueira ao molhar os seus irmãos, e do escorregão que lhe custou um joelho ralado e algumas poucas lágrimas.

– Eram tempos felizes. O que foi que mudou? – perguntou a si mesmo. Talvez mais algumas olhadas o fizessem lembrar o que havia mudado e assim ele poderia voltar a escrever.

Em meio a alguns álbuns, uma foto sua com o uniforme da velha escola. Quando aprendeu a ler e escrever, teve a certeza de que faria isso pelo resto da vida. Amava os livros, as letras, o universo maravilhoso e fantástico que podia criar dentro da sua mente. Em seguida encontrou uma pequena carta com a letra de uma menina; foi a primeira carta de amor que recebera da com quem, anos mais tarde, namorou.

De repente encontrou uma imagem bem conhecida dentre todas as outras: a foto do seu querido avô, mas sentiu um aperto no peito e uma tristeza imensurável. Veio-lhe à mente uma recordação da qual não gostava e que há tanto tempo tentava sufocar: a morte do seu avô. Não foi algo que alguém pudesse dizer: “já era chegada a hora e ele já tinha muita idade, viveu bastante, não houve sofrimento”; se assim fosse, seria bom. No entanto, seu avô foi morto diante dos seus olhos por um assaltante que estava drogado. O pobre coitado morreu porque tremia de medo pela segurança de seu neto e não conseguia tirar o relógio do braço. Um tiro no peito, não houve chance de reação. Agora lembrava onde havia começado a sua descrença na humanidade e em todo e qualquer bom sentimento; tornara-se cético e frio, e sentia por sua condição.

Então as memórias das tantas coisas divertidas que havia feito com o seu avô começaram a voltar: as tardes que passavam sentados na varanda, as pescarias, empinar pipa, subir em árvore. De todos os netos ele era o mais próximo do avô, aquele a quem o velho homem chamava de “parceiro da bagunça”. Então fechou os olhos e teve um sobressalto, algo que retornou de súbito em sua mente sobre aquele dia. Não era nada propriamente sobre o crime em si, mas o diálogo que se deu em seguida, quando ele estava sentado no chão – chorando – com a cabeça do avô em seu colo:

– Não morra vovô, agüenta mais um pouco – dizia ele em prantos.
– Não fique assim meu filho, não precisa chorar. Eu nem mesmo estou sentindo dor. Fico feliz de saber que perto do meu fim o meu melhor amigo está aqui comigo.
– Vovô, por favor, não fala assim...
– Não se preocupe tanto assim comigo. A morte é uma coisa natural da vida e todos nós estamos destinados a ela. Lembre-se sempre das coisas boas que vivemos juntos, celebre a vida! E não esqueça jamais que eu o amo, meu neto, e não poderia escolher pessoa melhor para estar ao meu lado nesse momento.
– Agüenta só mais um pouco vovô, a ajuda está chegando – dizia ele desesperado, mas seu avô já havia perdido os sentidos e faleceu a caminho do hospital. O neto estava ao seu lado, segurando a sua mão, quando finalmente partiu.

Aquelas palavras voltaram com tanta força que ressoaram como se fossem ditas naquele exato instante: “Celebre a vida!”. O escritor não teve dúvidas, levantou-se, sentou-se de frente para o notebook e começou a escrever algo assim: “Gostaria de falar sobre alguém muito especial, com quem eu aprendi que somente o amor pode dar algum significado às nossas vidas...”.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Demora...

Sei que há quase 1 mês eu não coloco nada por aqui, mas na correria em que estou pouco tempo tem sobrado para escrever. É exatamente por isso que venho aqui pedir desculpas e dizer que nos próximos dias eu devo fazer uma nova postagem.

Espero que entendam a minha situação, pois o trabalho não tem dado trégua.

Agradeço a compreensão de todos...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O que são Poemas?

O poeta não é um conselheiro,
o poeta é um mensageiro!
E poemas são cartas sem destino,
endereçadas a todos e a ninguém.

Chamados de bilhetinhos, mensagens, telegramas...
Poemas são recados de esperança, de tristeza,
o tudo e o nada, o vazio e o cheio, a feiúra e a beleza.
São todos eles impressões digitais:
provas de quem teve a liberdade de pensar, e nada mais.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Eu odeio a Telefônica


Até o momento eu acreditava que os operadores de telemarketing da Telefônica fossem máquinas sem coração, interessados exclusivamente em vender os produtos desta famigerada empresa. Devo confessar que eu me enganei.

Hoje eu recebi uma ligação da tal empresa e a atendente muito simpática perguntou:

– Boa tarde! Eu gostaria de falar com responsável pelo Speedy (internet banda larga da Telefônica).
– Pode falar, eu sou o responsável – respondi a ela.
– Qual o seu nome?
– Eu me chamo Daniel.

Deste ponto em diante eu preciso alertar ao leitor que muitos diálogos foram inventados, mas aconteceram sob um contexto real e a operadora de telemarketing ficou realmente magoada.

– Senhor Daniel – começou a moça – eu sou da Telefônica e gostaria de oferecer ao senhor um serviço inovador.
– Aham... ¬¬
– Senhor Daniel, nós identificamos que a sua empresa utiliza o Speedy Básico de 1Mb de velocidade no valor de R$ 83,90 e ainda paga um provedor no valor de R$ 92,00.
– Não, eu não pago provedor. Meu acesso com vocês é direto – disse eu com muita estranheza.
– Procure a sua conta telefônica de janeiro e verifique porque há o pagamento de provedor – disse a moça educadamente.

Revirei uma estante, puxei um saco plástico – muitos boletos – um monte de tranqueiras caíram no chão e, finalmente, encontrei a tal conta telefônica. Verifiquei a folha de traz e vi o valor de R$ 92,00: Puta que pariu! Não acredito que eles estão me cobrando isso – resmunguei longe do telefone.

– Alô, já estou com a conta telefônica... Estou vendo o tal valor do provedor – disse eu já com muita raiva.
– Então, senhor Daniel, hoje o valor gasto com internet pela sua empresa é de R$ 175,00. O senhor confirma?
– ... nhé ... ¬¬

E com aquela euforia de uma mulher que acabou de comprar um sapato novo que combina com aquela bolsa chiquééééééérrima que ganhou no Natal, ela disse:

– A Telefônica tem um plano de solução para a sua empresa. O senhor pagará R$ 154,00 ao mês, receberá o provedor Terra gratuitamente e ainda forneceremos uma CPU nova com processador Intel, Windows Vista original, anti-virus, e assistência técnica gratuita 24horas, além de repor qualquer peça que venha a ser danificada. O senhor não acha interessante?
– Oh! Supimpa, meu amor...
– Com isso o senhor não gastará mais com troca de peças e assistência técnica, além de diminuir o valor do serviço de internet na sua conta telefônica – finalizou a operadora de telemarketing.
– ...
– ...
– ...
– ...
– Ah! Você quer uma resposta minha?
– Errr... Sim, senhor.
– Tudo bem, qual o “porém”?
– Que “porém”, senhor?
– A Telefônica vai me oferecer tudo isso e não vai querer nada em troca? Só se isso for pegadinha. Fala a verdade. É uma pegadinha do Malandro, né?!
– Não, senhor. Não tem nenhuma pegadinha. A Telefônica oferece tudo isso e o senhor ainda paga menos pelo acesso – respondeu a moça em tom dissimulado que logo eu pude identificar.
– Aham... sei... Da última vez que vocês me ofereceram um serviço similar, eu teria que ficar por, no mínimo, 36 meses preso ao Speedy. Além disso, em breve a sede da empresa vai mudar de lugar e talvez eu não necessite mais dessa linha telefônica. Seria uma irresponsabilidade minha fazer isso agora. E se eu não quiser mais utilizar o Speedy? Talvez eu queira usar outro serviço de internet.
– Mas o serviço pode ficar em qualquer linha telefônica que o senhor tenha, mesmo cancelando essa. O computador será trocado a cada 36 meses sem custo adicional e, no máximo, o senhor paga uma multa equivalente à metade do valor da mensalidade – respondeu a atendente já começando a demonstrar sinais de alteração.
– Então eu tenho que permanecer com vocês por 36 meses e tenho que pagar uma multa por rescisão. Aha! Peguei você!
– Errrr... Errrr... Não, senhor... Vai ficar mais barato... O serviço... Aceeeeeeiiiiiiitaaaaaaaaaaa, pelamooooooorrrrrrrrr de Deus! – tudo bem que ela não disse isso, mas ela queria! Acredite, ela queria implorar para que eu aderisse ao serviço.
– Eu já tenho uma resposta – disse eu convicto.
– E qual é? – perguntou ela, esperançosa.
– N Ã O!!! – foi uma resposta carregada de prazer e desdém, do tipo “Foda-se a sua empresa”.
– Humpf!... – fez ela do outro lado da linha.
– ...
– ...
– É só isso “minha querida”? – perguntei a ela.
– ...
– ...
– Sim, senhor Daniel – respondeu ela secamente antes de desligar na minha cara. Na verdade eu sei que a vontade dela era de dizer: – Você acabou de foder a minha cota de vendas e talvez eu perca o emprego, seu miserável!

Mas a bem da verdade, o que eu queria ter respondido era:

– Pensou que me enganaria sua filha da puta? Pega essa merda de serviço e enfia na bunda!

Ah, a civilidade... Como eu odeio a Telefônica!!!

domingo, 30 de agosto de 2009

Vida Louca

Se em tuas brejeiras graças
eu me perdi por um instante,
não foi minha a culpa
e tão pouco foi tua.

Foi um rompante desta vida louca
que me fez querer a tua macia boca
juntando as nossas almas em uma alma una.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Nana Banana

O último dia 20 foi um dia especial porque foi o aniversário de uma amiga muito querida. A Nayara, a quem eu chamo carinhosamente de Nana, é como uma irmã caçula; daquelas que os irmãos mais velhos estão sempre atentos para saber se tudo vai bem. Além de companheira de cinema, amante de Los Hermanos, a Nana também escreve (e muito bem!).

O meu blog tem esse nome por causa de uma resposta que eu fiz, há alguns anos, a um poema dela entitulado "O Mundo em Passos". O poema da Nayara e a minha resposta estão aí embaixo, espero que gostem:


O MUNDO EM PASSOS

Eu passo pelo mundo num passo.
O que eu aproveitei dele? Eu não sei.
Eu faço do mundo um sapato
e o que eu vi, nomeei.

Sou andarilho, pescador,
sou rápido coronel.
Contador de história, retirante,
sou a pintura do cordel.

No lado, eu descanso o traço,
das curvas por em que passei.
No rastro, dos pés que engraxo,
eu descalço, rodopiei.

Sem abrigo, sou um sonhador.
Vou buscar nas asas do céu
os pés em que passo cantante
as doutrinas do meu papel.

Nayara Oliveira


NO PASSO DO MUNDO

No passo em que passa no mundo
aproveita dele um pouco de tudo:
do bom e do ruim, da noite e do dia,
pois é do amargo e do doce que a vida se recria.

De sua rica cultura sertaneja
mostra o seu verdeiro coração,
seja do apaixonado Catulo, que faz do amor uma canção,
ou dos Patativas amargurados, versando do prego e do calo.

Nesta poesia consoante ao repente
que o nobre violeiro toca pra gente
deixa navegar a sua alma inquieta
lembrando, outrora, os nordestinos poetas.

Nos laços e traços
das curvas da via a qual passou,
deixa dos seus pés o rastro
dos passos da vida que almejou

Sem abrigo não estará,
mesmo que seja um sonhador.
Terá residência sob um céu de estrelas
e as asas de um uirapurú cantador

Daniel Maia Silveira


Nana, feliz aniversário!!!

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Fizemos Amor

Cerramos em beijos os nossos gemidos:
as nossas bocas coladas, os nossos corpos em transe.
As minhas mãos deslizam em tuas curvas, sentidos...
Palavras ressoam fugazez, infames.

O suor extrapola os nossos poros
escorrendo pela tez e tuas reentrâncias,
é ele testemunha de sussurares sonoros,
o combustível a inflamar as nossas chamas.

As feridas que tu me infringes
marcam sulcos na minha carne branda,
são as tuas unhas fincadas em riste
arranhando o meu dorso ao gritar que me amas.

Os teus cabelos que eu outrora afagava
agora sentem com força as minhas mãos em tramas,
enquanto percorro o teu pescoço desnudo, suado e puro,
entre vozes insanas.

Nossos lábios calam murmúrios perdidos
enquanto os olhares se lançam distantes.
Nós somos figuras de algo esquecido,
enredados em abraços, chamados de amantes.

No clímax de nossas almas,
sem palavras a dizer,
trocamos risos de terna calma,
momentos de puro prazer.

Como dois ébrios entorpecidos
ocupados por carinhos incessantes,
encostamo-nos no barranco que é essa cama:
cansados, fatigados e ofegantes...

Olho para ti sem nenhum temor
e permanece no ar um pensamento:
certamente fizemos amor...

domingo, 2 de agosto de 2009

Superficialidade Emocional

Há muito tempo eu tenho pensando em uma coisa que só ultimamente começou a me incomodar, portanto achei que se fazia necessário escrever sobre ela: a superficialidade dos sentimentos.

Eu fico perplexo com a maneira como hoje são tratados os sentimentos, tanto os nossos quanto os dos outros, e isso vem acontecendo com uma freqüência realmente assustadora. Para piorar tudo: a carência emocional humana nestes tempos de frieza incontida.

É fácil perceber que em um mundo aonde o capitalismo chegou ao seu ápice, todas as atitudes se baseiam no consumismo, no modismo, no cinismo e mais uma porção de outros “ismos” que fizeram do homem apenas um coadjuvante do espetáculo e, com ele, todas as suas boas emoções. Os relacionamentos se tornaram descartáveis: hoje se está com uma pessoa, daqui a uma semana já se está com outra fazendo juras de amor eterno. Que amor? Nem mesmo se sente com a profundidade do coração, troca-se de parceiro como se troca de roupa e os sentimentos da outra pessoa ficam negligenciados, pois o imperativo é cultuar o egoísmo.

A carência emocional vem justamente dessa relação de frieza que cria lacunas sentimentais que não podem ser preenchidas. A busca desesperada por algo que a suprima acaba levando a pessoa a cometer erro atrás de erro, tornando-a emocionalmente vulnerável e mentalmente confusa. Vivemos em um mundo de pessoas carentes e confusas! Essa carência surge de qualquer relação mal feita, seja na família que não dá apoio, seja naqueles que deveriam ser amigos de verdade, seja no companheiro(a) que não quer perceber as necessidades do outro(a). Como a maioria se deixa envolver por essa sociedade superficial, as uniões se tornam gélidas e com um único objeto: satisfazer a vontade própria, o prazer.

Um dia desses uma amiga disse sobre o noivo dela (que também é meu amigo): “Eu o amo por várias razões, mas também pela pessoa que ele é”. Esse é o tipo de amor que as pessoas se esquecem de cultivar, amor verdadeiro! Por essas e por outras que eu sei que eles são felizes e que nas dificuldades o sentimento que um tem pelo outro fala mais alto, pois não é superficial e tem raízes profundas. É uma pena que hoje em dia eles sejam a exceção de uma regra que, aliás, é bem cruel.

Se parássemos de olhar um pouco para o nosso próprio umbigo, talvez fossemos capazes de perceber quanta coisa boa temos a ganhar ao tratar a todos com um pouco mais de carinho e respeito; falar olhando nos olhos aquilo que nos aflige e dar a chance para que as outras pessoas não se tornem reféns de nossas armadilhas emocionais. Manter relacionamentos baseados em laços realmente profundos e verdadeiros e, acima de tudo, não fazer ao próximo aquilo que não queremos para nós mesmos, talvez seja um bom começo para recuperar o pouco de humanidade que ainda nos resta e incentivar os demais a fazer o mesmo.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Foto Poema V

Cadeado
Fotografia de Dandara Borges
http://www.flickr.com/photos/dandara_borges/1493178425/

Fechado em duro elo
e formado de aço fundido,
mesmo estando oxidado
nem o tempo te dá por perdido.

Tu guardas no interior
o segredo que a ti liberta
desfazendo as amarras que prendem,
que fecham as portas abertas.

Destruindo os elos trancados
quando a chave em ti é posta,
faz renascer a esperança perdida
- de uma vida outrora esquecida -
encerrada por correntes grossas.

domingo, 19 de julho de 2009

Raízes


Uma amiga me disse esses dias: “Poucas coisas criam raízes no meu coração”. Ela falava do fato de ainda não ter se encontrado, de ainda não fazer algo que realmente a completava, por isso sentia que muitas coisas não a prendiam pelo coração – como deve ser.


Essa frase ficou ressoando na minha cabeça e mal sabe ela o efeito que causou em mim. Comecei a pensar nas coisas que eu faço, porque ambos partilhamos dessa sede de conhecimento, de descobrir cada vez mais. Acredito que isso seja mesmo algo inerente ao ser humano, essa busca pelo saber e essa vontade de aprender. Bom, quase todos os seres humanos – sejamos honestos, existem mais exceções do que a regra por aí.


Fiquei pensando nas coisas que criam raízes no meu coração e percebi que algumas me deixam muito feliz: a música, a poesia, a literatura, as ciências, a farmácia, minha família e meus amigos. Apesar dessas coisas criarem raízes no meu coração, eu noto que eu mesmo não consigo criar raízes em relacionamentos. Mas será que vale à pena?


Ainda não consegui definir se as raízes não se formam porque o terreno onde eu as coloco é estéril, ou se eu mesmo tenho medo que elas se criem e eu fique preso a alguém. Talvez seja um pouco dos dois, mas ultimamente é bem mais o primeiro do que o segundo. Cheguei à conclusão que se não é possível contar com o bom senso e o respeito das pessoas, então ficar sem ninguém é a melhor saída. É como diz aquele ditado: “Antes só do que mal acompanhado”; e devo dizer que hoje em dia é muito fácil estar mal acompanhado.


Onde tudo vai parar eu realmente não sei, e procuro não pensar nisso, mas se nada mudar de uma coisa eu tenho certeza: por muito tempo, quem mais vai conhecer a minha boca será a minha flauta transversal.

sábado, 4 de julho de 2009

A Felicidade é Tão Pouco...

Sei que tardei a escrever aqui novamente. Desculpem a minha ausência, mas há uma razão para tanto: eu saí de casa.

No começo foi tudo meio estranho, a bagunça habitual após a mudança, as roupas sem lugar para ficar. Foi preciso comprar tudo novo: geladeira, fogão, lavadora, guarda-roupas, tv... O lugar é do tamanho ideal – nem grande nem pequeno – e as coisas já estão quase todas arrumadas, com exceção de uns livros e mais umas poucas tranqueiras.

Engraçado é o prazer nas pequenas coisas do cotidiano como cozinhar, lavar roupas, passá-las, limpar a casa. Sentir que você está realmente no seu lar e poder cuidar dele, não tem preço. Dias atrás um rapaz veio montar o armário de cozinha – um móvel pequeno e simples – e depois de montado eu pude tirar todas as coisas que estavam em sacolas de plástico para organizá-las nas gavetas. Guardei as panelas, copos, potes de plástico, mas não sem antes passar um pano em tudo. Quando terminei, eu ficava abrindo e fechando as gavetas e portas olhando se estava tudo certo ou se faltava algo. De repente uma sensação de felicidade se instalou em mim, eu olhei para aquele armário simples, com tudo arrumado, e sorri espontaneamente... Um sorriso repleto de alegria, a alegria de ver que esse cantinho estava ficando com cara de casa.

Outra razão para essa alegria é ver o alívio estampado no rosto do meu pai. Ele ainda demonstra muita melancolia, talvez decepção, mas sei que com o tempo isso vai passar. Ao menos já é possível vê-lo sorrir e isso me enche de alegria. Nessas paredes não há tristeza, não há raiva ou incompreensão. Aqui nada pesa, tudo é leve, e sinto-me verdadeiramente em casa; a nossa casa!

Antes a casa era grande, tinha certo luxo e era muito bem localizada. Hoje ela é simples, como tudo o que há dentro dela, e também confortável (porque o conforto não é só físico, mas muito mais espiritual). De que adiantou o apego material? De que adiantou o orgulho? Hoje, na simplicidade, eu e meu pai recomeçamos a vida e já sentimos a felicidade batendo à nossa porta.

Não é necessário muito para ter um lar feliz, basta compreensão, amor, paciência, humildade e saber perdoar. Dá muito mais trabalho ser infeliz e fazer os outros infelizes do que querer viver bem com quem nos cerca; na verdade não é preciso fazer muito esforço para ser feliz. Como me disse certa vez uma pessoa muito querida: “A felicidade é tão pouco...”

sexta-feira, 19 de junho de 2009

As Pastorinhas

Ah, as pastorinhas!
Quem não quer ser como elas
andando livres pelos campos,
ornamentadas e belas?

Caminham pelas verdes campinas
tocando o seu precioso gado.
Cantarolam todas, tão meninas,
levando à mão um pequeno cajado.

Descansam as suas cabecinhas
do sol que tudo queima,
no pico do meio-dia,
à sombra de uma oliveira.

Ah, as pastorinhas!
Quem não quer ser como elas?
Pulam alegres, cantam cirandas,
são tão formosas e singelas.

Carregam nos bolsos
pedrinhas a contar as ovelhas,
guiando-as morro abaixo, morro acima,
esperando o tocar das sineiras.

Vivem com seus pezinhos no chão
sentindo a grama orvalhada em seus dedos,
guardam em júbilo o coração
que não conhece receio ou medo.

Ah, essas pequenas!
Quem não quer ser como elas?
Voltam pra casa à tardinha,
cravada no cimo do outeiro,
onde dormem as pastorinhas.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Maria

Eu caí dos braços de Maria, tão pesados eram os meus erros, e estendi-me sobre a relva torpe lamentando uma vida de exageros. Maria olhou-me em singeleza na tentativa de sustentar meu corpo vil, e laçou-me em seus braços com firmeza a salvar uma alma já senil: esboçou-me um sorriso de luz da manhã; exalou perfume de dama da noite; chorou lágrimas de cortesã; caiu-se comigo recebendo os açoites.


Desfalecida alma, falecido corpo, maltratado... Maria deitou-se comigo e absolveu os meus pecados.

sábado, 23 de maio de 2009

Foto Poema IV

Cores
Fotografia de Dandara Borges
http://www.flickr.com/photos/dandara_borges/1493174193/

Apontei os meus lápis de cor usando uma faca pequena
e os reservei num canto
(dentro de um cesto simples que não ocupa espaço...).
Sei lá, nunca se sabe quando o amor vai pintar.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Nota Importante do 13 de Maio

Hoje comemora-se a abolição dos escravos pela princesa Isabel, filha de Dom Pedro II. Na verdade a abolição começou antes, mas pra não ficar feio ela assinou a lei, libertou a todos e tornou o 13 de maio como data oficial.

Fato é que, ainda hoje, em lugares remotos deste país, há escravidão - e essa é uma informação do Ministério do Trabalho. A coisa é tão feia que muitos fiscais do trabalho que investigam essas abominações acabam sendo assassinados.

Não vai longe, o "ilustre" deputado federal Beto Mansur (PP-SP) teve, há uns anos atrás, uma propriedade descoberta por fiscais do trabalho e agentes da polícia federal onde era praticada a escravidão humana. O "digníssimo" deu explicações fajutas e escapou ileso sem nem sequer responder a processo.

No país onde existem duas justiças (uma para os ricos e outra para os pobres), o 13 de maio deveria ser uma data muito mais de protesto do que de comemorações - não só para os negros, mas para todos os brasileiros.

Gripe Suína?

Já faz algum tempo que eu não coloco nada aqui no blog, mas acreditem, eu tenho os meus motivos. Eu até poderia enumerar vários: falta de tempo, estudo em excesso, escassez de idéias, estar de saco cheio... tenho até uma cólica renal para acrescentar à lista.

Acho que na verdade foi um pouco de tudo - e cada coisa ao seu momento. Tenho estudado bastante e isso diminui o meu tempo para ter idéias do que escrever: leituras e mais leituras, química, matemática, história, biologia, física; tenho visto de tudo. Daí veio uma porcaria de uma cólica renal que já persiste há quase um mês, mas antes que venham dizer para procurar um médico eu já o fiz e o tratamento está em curso.

Em alguns momentos eu dou uma parada para respirar e tirar o nariz dos livros e apostilas, nessas horas eu costuma dar uma olhada nos noticiários para não ficar tão alheio ao mundo, e não há como negar que o assunto do momento e a tal gripe suína. Aparentemente, depois de todo o alarde, ao que tudo indica ela não é tão temível quanto parece (apesar de se espalhar com uma velocidade absurda). Isso me fez pensar em duas coisas: primeiro, com a rapidez que hoje viajamos pelo mundo, se uma doença realmente mortal conseguir chegar a um grande centro a coisa vai ficar feia (bye bye raça humana); segundo, o ser humano é um bicho engraçado, porque ao mesmo tempo que é alarmista também é relapso. A coisa tava pegando e, em muitos aeroportos brasileiros, os funcionários da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estavam comendo mosca, ou jogando truco... Só começaram a agir quando já tinha gente contaminada aqui dentro.

Ao final das contas o que mais me preocupa não é a gripe do porco, mas os espíritos de porco que existem por aí. Por isso mesmo, tomem cuidado com espécies como a porca sogra ou o porco cunhado (porque se cunhado fosse bom, não começava com "cu"). Estes espíritos de porco costumam causar grandes estragos nas famílias. Tem também o porco chefe, tem o porco imposto de renda, e tem até um monte de porcos deputados no grande chiqueiro chamado Brasília.

Vocês conhecem algum espírito de porco? Cuidado, essa praga é contagiosa!

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Foto Poema III

Detergente
Fotografia de Dandara Borges

http://www.flickr.com/photos/dandara_borges/1509841385/

Surge alegre a espuma fina
como ornamentado colarinho em copos de vidro.
As fragrâncias que são tantas: das maçãs, do mar e dos campos;
penetram em meu nariz e lavo a louça brincando.

Biodegradável e dermatologicamente testado,
tornou-se politicamente correto para toda a natureza.
Mas sua mais importante função,
aquela que ao meu coração mais agrada,
é a de fazer bolinhas de sabão nas mãos das crianças levadas.

domingo, 19 de abril de 2009

Vida de Árvore

Eu fiquei parado e não parti .
Permaneci imóvel por tanto tempo
porque achei que tu me encontrarias aqui.

Tu não me encontraste - e nem procuraste -
fiquei enraizando
e a minha presença, sequer notaste.

Triste esta vida de árvore,
a sustentar um coração de mármore,
esperando eternamente a tua primavera.

domingo, 5 de abril de 2009

Versos Para Quem Já Foi

Quando lembrares das horas
em que sentiste maior alegria,
tu lembrarás que foi nos meus braços
que tiveste a felicidade um dia.

Sentirás a minha falta
quando o vazio no teu peito se instalar
e chorarás sentidamente
lamentando o tempo não voltar.

Serei para ti
uma doce lembrança...
Pena que não soubeste aproveitar.

domingo, 22 de março de 2009

Quando

Quando uma lágrima
escorrer em teu rosto
e não houver ninguém
para enxugá-la,
lembra quem sempre
apaziguava o teu pranto
nas noites em que tu choravas.

Quando o frio
arrebatar o teu corpo
entre os lençóis
que um dia foram nossos,
lembra que nesta cama
imperava o meu calor
aquecendo os teus gélidos destroços.

Quando então sentires falta
do amor que te nutria
– e tu sentirás –
lembra que a minha vida
será um eterno alvorecer
e a tua um perecer,
de dia após dia...

sábado, 14 de março de 2009

Foto Poema II

Gota
Fotografia de Dandara Borges
http://www.flickr.com/photos/dandara_borges/1510718490

Através de longos canos,
segue líquido confinado, em fluxo contínuo,
marulhando em boca pequena de metal enferrujado.

Mas é no breu da noite que ela se faz presente:
uma fração pequena da água corrente
esticada com melancolia até o seu desligamento.
É a gota reticente batendo nas panelas frias
e rompendo, belicosa, o silêncio adjacente...

segunda-feira, 9 de março de 2009

Escolhas

Será que alguém saberia dizer o que há de errado com as pessoas? Parece-me que todos se esqueceram de cultivar aquilo que realmente importa, para cultivar coisas apenas com valor aparente. É como se, de repente, um jardineiro passasse a arrancar as rosas a fim de abrir espaço para as ervas daninhas; uma atitude estranha e inconcebível.

Vejo famílias sendo desfeitas e pessoas, que um dia se amaram, tratando umas as outras como estranhas. Indivíduos que, em nome do enriquecimento, deixaram de viver.

É fato que não podemos ter tudo o que queremos e precisamos fazer certas escolhas – nós somos aquilo que escolhemos. Então, para ficar bem claro, comecemos a pesar estas escolhas baseados nas situações que vivenciamos ou no que queremos nos tornar. Eu, por exemplo, pretendo seguir uma longa carreira de pesquisa e tem sido muito difícil chegar lá. Hoje eu entendo que é preciso renunciar a muitos desejos para me dedicar de corpo e alma a este objetivo, mas faço isso baseado na minha situação atual. Ao final, o importante é fazer tudo com amor e alegria – está aí o segredo da felicidade.

Quanto às escolhas, não queira abraçar o mundo com os dois braços e as duas pernas – e não faça escolhas ambíguas – porque em um determinado momento você terá que escolher entre duas vidas e se elas forem tão antagônicas, depois de decidir, uma parte sua ficará perdida para sempre.

Procure fazer escolhas inteligentes, baseadas em valores reais como a família, os laços de amor, a virtude, a humildade... Se nós somos aquilo que escolhemos, então tomemos decisões que possam iluminar as nossas vidas por muito tempo. Lembre-se que para viver nas sombras, basta apenas uma escolha errada.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

O Violonista

Ele abriu os olhos com a sensação de que alguém o chamava. Sentia-se estranho, a cabeça doía demais e do lado da poltrona havia uma garrafa vazia de um uísque barato.

- A apresentação! - gritou e pulou em único salto. Tudo girava. Estava tonto, ébrio... Fedia a álcool e charuto.

Pegou o seu violão e sentou-se em uma cadeira simples. À sua volta, apenas escuridão com exceção de uma lâmpada iluminando um pequeno pedaço de papel que trazia a seqüência de algumas músicas que ele deveria executar naquela noite.

As cortinas ainda estavam fechadas e o instrumentista sentia-se nauseado. Notou que estava sozinho e pensou: “Que diabos! Onde estão os outros?”. Resolveu adiantar-se. Colocou o violão no colo, ajeitou-se e começou a afiná-lo. Apertava uma tarraxa, soltava outra, batia as cordas desde a sexta até a “mizinha” comparando uma a uma até que, no dedilhar, ele notasse que nada soava estranho ao seu apurado ouvido. Para provar que a afinação estava correta, começou a tocar o “Carinhoso”. Acompanhou com a voz numa suave melodia e cantava melancolicamente: “... E os meus olhos ficam sorrindo e pelas ruas vão te seguindo, mas mesmo assim... Foges de mim...”. Uma lágrima escorria, lembrou-se de Alice. Não mais a vira depois que ela o deixou. A bebida e a vida boêmia que levava haviam afastado a sua doce Alice para sempre. Lembrava tristemente da única mulher que realmente amou: “Longe dos olhos e perto do coração”, balbuciava entre suspiros.

Ele estranhava a demora para começar o espetáculo e sequer conseguia ver a cortina tamanha era a escuridão. As suas platéias eram sempre imensas. Todos queriam ver o seu talento extraordinário ao violão. Ele tocava como poucos! Percebera que não se lembrava como havia saído da poltrona e chegado até ali, achou aquilo muito esquisito.

Assim como muitos artistas, seu temperamento era muito forte! Resolveu que começaria a tocar ali mesmo, sem cortinas abertas e sem os demais músicos. As pessoas certamente ouviriam o seu instrumento e gritariam para que a apresentação começasse sem mais demora. Seguiu o roteiro que havia escrito no tal papel e estava tão absorto no que fazia que nem se deu conta que tudo era silêncio ao seu redor... Um silêncio aterrador e cruel.

Acabou a sua apresentação pessoal e estava feliz. Contentava-se consigo mesmo; o orgulho do violonista era grande demais e sua arrogância o tornava um egoísta irremediável: típico de alguns gênios. No entanto, conforme o porre ia passando, ele percebeu que a poltrona estava logo ao seu lado. Notou que além daquela garrafa havia ainda outras já secas, e onde ele pensava estar a platéia encontrava-se a sombria sala do seu apartamento com dois sofás e uma pequena estante. Ele tocara para ninguém porque ele mesmo se sentia assim, um ninguém.

O violonista recordou que há muito estava sozinho e apenas retardava tais lembranças mantendo-se constantemente bêbado. Seu violão era a única companhia que lhe restara.

Amargurado pelas dores infringidas por ele mesmo, o músico retirou-se do palco da vida para cair no mais completo esquecimento.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Terça-Feira de Carnaval

Já é terça-feira de carnaval
e eu fico a cultivar memórias
que nem mesmo são minhas.

Sim, é terça-feira de carnaval
e eu escuto o burburinho de senhoras
cantando as últimas marchinhas.

Que termine esta terça-feira de carnaval!
Pois é chegada a hora da despedida
das ilusões de quem nunca se encontrou.

Sim, sim, a festa terminou
e agora – de fato –
sinto que a vida começou.

Acabou mais uma terça-feira de carnaval...
E recoloco a máscara para o baile da vida
na tentativa de fingir o que eu não sou.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Mais um Carnaval

Mais um carnaval se aproxima e como todos os anos eu começo a ficar mal humorado. Muito me agradam as legítimas manifestações culturais mais presentes nessa época, como o Frevo e o Maracatu, também merecem destaque as festas dos bois amazonenses. O que realmente me irrita é esse carnaval fabricado das escolas de samba, dos trios elétricos e das micaretas: nada mais superficial!

Eu não vejo a menor graça em assistir uma agremiação desfilando em um sambódromo por mais de 1 hora, são muito melhores aqueles pequenos blocos que saem nas ruas fazendo uma bagunça irreverente com o intuito de deixar no esquecimento – ainda que por alguns instantes – os chatos problemas do dia-a-dia. E as atuais músicas das escolas de samba? Parece que perderam o compasso dos tempos dourados; as batidas e ritmos são sempre os mesmos e se colocarmos a letra de um samba enredo na melodia do outro se notará que muito pouco (ou quase nada) muda.

Apesar disso, ainda há quem goste de ver a “Mangueira entrando” na avenida. Eu sei que o trocadilho é maldoso, mas tem razão de ser. O que aconteceu com o carnaval para que se chegasse ao ponto de muitas pessoas terem raiva desta data? A resposta é muito simples: o carnaval foi prostituído! Pode parecer muito forte essa afirmação, mas é a mais pura verdade. O carnaval (esse fabricado) gera milhões em receitas e a idéia que se vende nessa época é que para ser feliz o sujeito precisa encher a cara de cerveja até cair e transar feito um coelho. Tudo é uma completa loucura, uma confusão, um verdadeiro samba do crioulo doido.

Não existe nenhuma outra data do ano que me faça querer tanto ir para um lugar isolado como o carnaval. Pra todo lado que eu olho vejo o comércio que é feito nesse período, principalmente para o público masculino, através dos corpos seminus de esculturais modelos (aliás, isso é uma prática adotada o ano inteiro pelas cervejarias – quem bebe cerveja faz isso porque gosta e não por causa do traseiro da Juliana Paes). É claro que agrada aos olhos ver tanta mulher bonita, mas a melhor cerveja ainda é feita em Petrópolis-RJ desde 1853 e eles não usam essa tática.

Pra quem não gosta desta data o negócio mesmo é fugir para algum lugar bem sossegado e livre de aborrecimentos, mas para pessoas como eu (sem um tostão no bolso) o melhor a se fazer é fechar as janelas, desligar a tv, ler um livro e escutar o bom e velho rock’n roll.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Foto Poema I


Esperança
Fotografia de Dandara Borges

http://www.flickr.com/photos/dandara_borges/1509622127/

Despedaçada que ficou – não pelos bem e mal me queres –
mas certamente pelos ventos de sudeste,
destino pouco grato lhe aguarda
e ainda com sua força em fino caule se agarra.

Florzinha amarela, tão comum, tão normal,
reserva em sua essência a semente da esperança:
aquela que promete vida carregada no bico do beija-flor
e espalhada em terra fértil, dará floradas ao meu amor.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Quem é Essa Tal Felicidade?

Sábado à noite, dia das pessoas se divertirem. Mais ou menos porque nem todos estão numa balada, nem todos estão sentados em uma mesa de bar jogando conversa fora, nem todos estão paquerando e tentando “se dar bem”. Eu, por exemplo, estou em casa em pleno sábado à noite escrevendo uma crônica. Na verdade, antes disso eu estava estudando química orgânica para uma prova que eu tenho na faculdade. Diabos! Não há nada de divertido nisso... Como dizem uns amigos meus: “Tem dias que a noite é foda!”, e esta está sendo apenas mais uma dentre tantas outras.

É claro que eu poderia estar lendo (algo que me deixa feliz), mas terminei meu último livro há alguns dias. Já leram “A menina que roubava livros”? A narração é simples e a estória emociona. Talvez seja o contexto: uma família alemã muito pobre tentando viver em anos de guerra. Recomendo, é um bom passatempo.

Essa noite eu até tinha pra onde ir, mas confesso que tremi. Um possível encontro, só que estou tão cansado de tudo...

Refletir sobre esse momento me fez pensar em uma questão profunda: as pessoas em geral têm medo da felicidade. Sim, isso é uma afirmação! A maioria das pessoas têm medo da felicidade e cada uma deve ter a sua razão. O mais engraçado é que constantemente elas reclamam viver uma vida miserável, aquém daquilo que elas “merecem”, mas será que realmente merecem?

Bom, a essa altura algumas pessoas devem estar pensando “Que sujeito maluco! Onde já se viu alguém ter medo da felicidade... Eu a desejo!”. Na verdade, se você pensou isso, então a carapuça tenha lhe servido como uma luva. É verdade, você também tem medo da felicidade. Eu posso citar muitos exemplos que ratificarão a minha afirmação sem que fique qualquer sombra de dúvidas, mas daí esse texto deixaria de ser uma crônica para se tornar um manual de conduta e eu, sinceramente, não acho que seja capaz de dizer o que cada pessoa deve fazer da sua vida.

Eu certamente passei a ter medo dessa tal felicidade alardeada por todos que deve ter – obrigatoriamente – um romance com um final feliz. Sinto muito pessoal, mas não existem finais felizes na vida real, pelo menos não desse jeito.

Eu só gostaria de saber a razão de muitos crerem que só serão felizes com outra pessoa. Até uma música diz “É impossível ser feliz sozinho”. Ora, raios! Nós nascemos grudados a outros indivíduos? Ainda bem que não, senão nossas mães morreriam rasgadas nos partos. Somos seres independentes, organismos independentes. É evidente que estamos inseridos em um universo onde tudo o que fazemos atinge os outros (como uma reação em cadeia), mas isso não significa que seja necessário viver um romance para ser feliz.

Por que ninguém nos ensina que escolher o nosso próprio caminho pode nos fazer felizes? Por que ninguém fala que ajudar o próximo nos traz uma felicidade imensurável? Por quê? Fomos tão acostumados a seguir aquilo que sempre nos era dito que deixamos a nossa individualidade se transformar no desejo coletivo.

Sabe, acho que eu fiquei com medo de ter que viver essa felicidade na qual todo mundo acredita e por isso estou em casa em pleno sábado à noite. Talvez a necessidade de descobrir a felicidade do meu jeito me faça ficar aqui, porque em um mundo tão cheio de diversidade é impossível aceitar que a felicidade seja apenas isso; deve haver algo mais.

Eu ainda procuro a minha felicidade de um jeito diferente. E você, vai continuar seguindo a modinha?

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Gotinha Sem-Vergonha

Ah, gotinha sem-vergonha!
Que insistes em não cair.
Agita-te em vão na calha do carro
e nem o vento te derruba daí.

Ah! Gotinha sem-vergonha...
Que segue em carona no meu transporte.
Nem te incomodas em andar de graça,
mesmo que seja a perigo de morte.

Ah... Mas que gotinha mais sem-vergonha!
Tão irritante e insistente como fora Dona Maria Antonieta,
e segura no vai e vem das sinuosas curvas
da velha Via Anchieta.

Ah! Gotinha sem-vergonha
que pulaste dentro do carro quando abri a janela,
caíste no meu olho de forma ligeira
a escorrer pelo meu rosto como se lágrima foste.

Ah, gotinha sem-vergonha!
Tu me fizeste dar uma gostosa risada...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Chamado de Amor

Sim, continuo a esperar
(e nem sei por quanto tempo)
desejando os braços teus
enlaçando os braços meus,
fantasiando este momento.

Há tanto tempo fico a aguardar
que minha alma já se faz um pouco morta,
deve ser esta carência sem lugar
que me faz querer teus beijos
de perfumadas pétalas de rosas.

E aquele dia que se avizinha
nem sei mais se vai chegar,
pois perdido que estou sem teus carinhos
mais difícil ficou de te encontrar.

Gostaria de um dia ter a lembrança
de arder tão docemente em nosso amor,
sorrindo alegremente qual criança
que um dia se encontrou no teu calor.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Aconteceu Hoje

Sabe aqueles dias em que você acorda um tanto apreensivo? Como se alguma coisa fosse acontecer? Hoje eu acordei assim...

Eu não sabia o motivo até chegar ao trabalho, ligar o computado e encontrar uma amiga on-line. Ela está com problemas e isso me deixou um pouco angustiado, não só pelos problemas dela, mas porque ela está muito longe.

Essa amiga é uma dessas pessoas diferentes, que saem do habitual. Tenho um carinho enorme por ela... Na verdade, é mais do que apenas carinho. Sinto por ela um amor imenso! E ela está longe, muito longe...

Acho que a minha maior frustração é não poder fazer por ela tudo o que eu gostaria; por não poder protegê-la como ela merece; por não poder oferecer o meu ombro para consolá-la; por não poder abraçá-la e dizer: – Tudo bem, eu estou aqui.

Então, de uma maneira inexplicável, eu a sinto. Sinto a sua dor e, de alguma forma, sei que ela me sente. Depois de alguma conversa ela fica um pouco melhor, apesar do problema ainda persistir. Considero que a conversa ainda é pouco, a minha vontade era de colocá-la no colo e cantar uma canção de ninar; brandir as mãos por sobre a sua cabeça e espantar as nuvens negras. Enquanto isso não acontece, eu continuo orando e pedindo que ela tenha forças.

Você tem alguém assim na sua vida? Alguém que não pode tocar com os dedos, mas sente que pode tocar com o coração? No dia em que aprendermos a tocar as pessoas primeiro com o coração, pra depois tocá-las com os dedos, o amor será levado a um novo patamar.

No momento eu só posso tocá-la com o meu coração, mas aguardo o dia em que poderei tocá-la com os meus dedos...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A Carta

Aflita, ela fitava a rua e esperava. Olhava para um lado e para o outro, e nada dele chegar.

Ana Clara era uma jovem virtuosa e fora criada para o casamento. Apesar de sequer completar 18 anos, ela já sabia coser roupas com uma habilidade invejável, além de ser uma quituteira de mão cheia. Ah! Seus doces... Comê-los era como ser beijado por anjos. Sempre que cozinhava, lembrava o que dizia a sua mãe: “Se não pode agarrar um marido pelo coração, agarre-o pelo estômago!” – e ria sozinha. Ana Clara não precisava de tais artifícios, ela tinha atributos que a faziam ser notada: longos cabelos castanhos cacheados, profundos e brilhantes olhos verdes, nariz e boca bem feitos, mãozinhas macias e delicadas, era um primor de moça.

O relógio já marcava 10h00 e nada dele chegar. A jovem esperava pelo carteiro que deveria trazer uma carta de seu amado Francisco, mas os minutos passavam e a angústia só aumentava.

Francisco era um rapaz simples e de sorriso cativante. Sua honestidade, senso de justiça e vontade de trabalhar faziam dele uma pessoa querida por todos. Francisco e Ana Clara conheceram-se ainda com 16 anos e casaram-se havia poucos meses, mas o tiro de guerra e a conturbada situação na Europa levaram o jovem aos campos de batalha italianos. Eram aqueles anos de muito temor e milhares de praças brasileiros foram enviados para combater os exércitos de Adolf Hitler.

Havia mais de um mês que Ana não recebia nenhuma mensagem e isso a inquietava – já que Francisco escrevia com certa freqüência –, a cada quinze dias ela lia e relia as cartas que recebia do amado. Eram bálsamos ao seu coração, mas a demora em tê-las fazia com que chorasse por muitas noites.

Impaciente, virou-se de costas para olhar através da porta da sala até uma parede oposta onde se encontrava um grande relógio de pêndulo montado em um móvel de madeira muito escura. Voltou os olhares para a rua e permitiu-se, por um instante, a distração de observar os vasos que enfeitavam a varanda onde estava. Já haviam passado 10 minutos...

Ouviu então o tilintar de uma campanhia de bicicleta e viu o carteiro vindo da esquina. Ela gelou, ficou estática e só conseguia acompanhá-lo com os olhos até que o viu depositando alguma coisa na caixa de correio. Hesitou por um breve momento, mas ao ver a bicicleta partir atravessou as escadas da varanda em um pulo e em largos passos chegou até as correspondências. Procurou convulsivamente por algo de Francisco, olhou mais de uma vez, mas nada encontrou; entristeceu-se. Ao levantar os olhos, observou um velho Ford com placa oficial parando do outro lado da rua. De dentro do carro saiu um homem impecavelmente vestido com uma farda do exército carregando um envelope nas mãos; estendeu o braço em direção a Ana Clara e com a cabeça ainda baixa disse:

– Senhora, eu sinto muito! Seu marido lutou bravamente, salvou muitas vidas. Infelizmente, em um ato de heroísmo, ele perdeu a própria vida – o homem fez um cumprimento meio sem jeito e partiu.

Ana ficou com o envelope nas mãos, atônita. Faltou-lhe o ar e tudo começou a escurecer; desmaiou. Deste dia em diante, Ana Clara jamais foi a mesma e era possível vê-la todas as manhãs na varanda – até o dia de sua morte – , às 10h00, esperando o carteiro trazer notícias do seu amado Francisco.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Sorriso de Mil Marias

Pedi à Lua que velasse o teu sono
nas noites em que solitária estiveste,
e as estrelas seriam a colcha celeste
revestindo o teu corpo nu.

A luz borrifada, que então surgiria,
dispersaria o breu e descortinaria as tuas curvas
que em meio à penumbra
seriam a escultura pura do prazer e da paixão.

Sonharia com os teus braços,
refúgio de um amor que alucina;
e nos teus seios dormiria, e acordaria:
tu serias o rincão de uma alma perdida.

E ainda que aí eu não estivesse,
sentirias uma morna brisa tocando a tua carne macia
como se os meus beijos mais quentes
a cobrissem da mais pura alegria.
E tu sorririas... Um doce sorriso de mil Marias.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Cor de Canela

Eu a vi caminhando
com esse seu jeito faceiro,
um tanto fugaz, corriqueiro,
chamando a atenção ao gingar.

Foi essa sua cor de canela
que me fez nota-la
e perceber o intrigante roçar
das roliças coxas que eu desejava.

Sua blusinha leve e marcada
a delinear seus túmidos seios,
combinavam com a saia curta e colada
que incitava os meus devaneios

Desfilou assim, tão depressa,
e nem arriscou lançar-me um olhar,
mas você é apenas mais uma dessas
entre tantas outras que eu já vi passar...

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Lembranças Persistentes



Ainda resta alguma lembrança daquela que se foi; sobraram as marcas mais fortes que alguém poderia sentir no peito. Eu ainda me recordo como o seu cabelo muito liso desarranjava ao vento e como logo se ajeitava na primeira passada de mão... Era um cabelo agradável de afagar.

Desde aí vem a torrente de lembranças ruins, uma vontade de nada querer e um desejo de nada sentir. Que saudade daqueles tempos em que eu não precisava da companhia feminina! A minha mente vagava por outras pradarias e a inocência juvenil fazia com que eu visse o mundo apenas como um desafio a ser superado.

Noto que o problema é acostumar-se a ter alguém por perto, porque enquanto isso não acontece, é fácil lidar com a solidão. Depois que se acostuma à companhia é difícil viver só, e o tempo que se leva para tal readaptação é gigantesco.

As pessoas escolhem maneiras diferentes de tocar a própria vida: algumas decidem se juntar, enquanto outras começam a ser seduzidas pelo caminho solitário. É como alguém que toca um instrumento e de repente descobre que gosta mais ou se adapta melhor a outro. Não é uma questão de ser volúvel, mas de adequar-se melhor às próprias necessidades ou condições que a vida oferece; e ao tentar fazer isso, tenta-se arrancar alguma felicidade de onde – aparentemente – ela não mais existe. Para mim, felicidade é sinônimo dessa paz e de tranqüilidade de espírito.

Não desejo muito, apenas a simplicidade. Será que é pedir demais?

Ao final, o que nos resta é tentar viver com as memórias miseráveis que sobraram, ou fazer algo tão incrivelmente diferente que os alicerces de nossas almas tremeriam e teríamos, quem sabe, um pouco de paz.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Desabafo

Foi assim, num rompante de agonia,
vislumbrando – distante no meu canto –
ainda sem poder derramar pranto,
que foste tu miséria e alma fria.

Abri o peito em descompasso
expondo um sentimento à revelia,
permiti à alma o embaraço
de mancha-la com a tua grosseria.

Mantive-me intacto, imponente,
apesar do risco e da ousadia,
e sem esvanecer – e tão somente –
cultivo o futuro dos meus dias.

Se então arrepender-te desta tua aleivosia
e jogar-te nos meus braços em busca da alegria,
saiba que estes braços não estarão mais estendidos
e restará apenas o vazio... reservado aos teus gemidos.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Retorno às origens

Apesar do novo sítio, não há como negar que me bateu um certo saudosismo deste blog. Em decorrência disso, resolvi postar meu material nos dois lugares. Retornarei a escrever aqui com o poema logo abaixo, espero que gostem.

Abraço a todos

Eu quis tocar os teus dedos...

Eu quis tocar os teus dedos
enquanto a tua mão
repousava sobre a mesa,
mas recolhi-me com tristeza
na inocente certeza
de que rejeitarias meu agrado.
Eu queria apenas perceber
o teu calor e a tua pele
tocando de leve a minha,
e apesar da fugaz sensação
– e o temor que se avizinha –
eu laçaria os dedos meus
nos dedos teus,
da tua mão de menininha.
Não haveriam sobressaltos,
nem sustos ou desgostos,
seríamos pegos de assalto
em olhares outrora supostos.
Primeiro eu teria as tuas mãos
– objeto do meu desejo –
para então preparar o terreno
na doce espera dos teus beijos.