quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Salão Compostela

Isso aconteceu há algum tempo, quando eu resolvi tomar vergonha na cara e procurar um salão para cortar o cabelo - mesmo sabendo que já havia passado da hora de realizar tal procedimento - ainda assim eu fiquei com preguiça de procurar um local para fazê-lo. Como a má vontade era muita, eu resolvi arriscar em um velho salão aqui perto de casa. Quando eu me refiro a velho, eu quero realmente dizer velho... muito velho!

Imaginem só a minha alegria ao notar numa placa, do lado de fora, que o corte custava apenas 7,00 reais! Naquele momento o meu bolso ficou aliviado e eu sorri em pleno contentamento. Resolvi entrar no lugar e sentei em uma cadeira muito antiga para aguardar a minha vez; eu notei duas coisas interessantes logo de início: o senhor sentado na “cadeira do barbeiro” era muito velho e o outro que fazia a barba dele era ainda mais velho. Comecei a olhar ao redor e reparei que, na verdade, tudo naquele salão era velho – a começar pelo nome: Salão Compostela. O chão era velho, os móveis eram velhos, o calendário era muito velho, as revistas eram amarelas... nem preciso dizer que eram todas velhas (notei que algumas delas ainda falavam do Impeachtment do Collor!!!).

Em um primeiro instante eu pensei em sair dali, já que o lugar todo lembrava um mausoléu, mas um detalhe interessante me chamou a atenção: o senhorzinho que estava sentado na cadeira – tendo o seu cabelo cortado e barba sendo feita – estava tão plácido e tranqüilo, parecia-me que ele tinha algum problema de saúde que eu não soube identificar... Notei que o “barbeiro”, logo depois de terminar o serviço, penteou o cabelo daquele senhor quase que num gesto de carinho, como um afago paternal. É uma atenção que não se vê nos dias de hoje.

Foi então que o barbeiro (de muita idade) olhou de uma maneira tão simpática e apontou-me a cadeira (sim, a cadeira era muito velha). Eu não tive como recusar e, analisando melhor, eram apenas 7,00 reais! Maldita mania de ser canguinha!...

Sentei alegremente na cadeira que parecia um tanto desconfortável, mas só até o corpo acostumar-se com aquela peça quadrada e desajeitada. Um longo pano foi colocado sobre o meu corpo e cuidadosamente preso ao meu pescoço junto com uma pequena toalha branca. A pergunta habitual foi feita: “Como vai querer o corte?”. Dei os detalhes de como eu gostaria que o cabelo ficasse: primeiro o som da maquininha aparando a lateral da cabeça; uma borrifada com uma água cheirosa e a seguir o frenético picotar da tesoura no meu cabelo.

A princípio, como ele virou a cadeira para a rua, eu não fazia a menor idéia do q ele estava fazendo. Eu cheguei a temer pelo meu cabelo. Então comecei a reparar em outras coisas a minha volta na tentativa de desviar a atenção para o fato de eu achar que o meu cabelo ficaria uma merda. Eu sentia a tesoura passando no vazio, fazendo um barulho seco de metal contra metal, como se meu cabelo nem mesmo estivesse sendo cortado.

Dei uma olhadela pro lado com o intuito de descobrir o que estava sendo feito na minha cabeça e se aquele senhor não estava de sacanagem comigo – já que ele virava a cadeira de um lado a outro sem nunca deixá-la alinhada com o espelho – imaginei que meu cabelo estivesse uma bosta e ele não quisesse mostrar. A cena que eu presenciei ao olhar pro lado foi no mínimo inusitada: o velhinho estava jogando a dentadura de um lado pro outro dentro da boca e depois a colocava no lugar novamente. Em seguida ele dava aquela chupada de saliva e engolia para, logo em seguida, ficar jogando a dentadura de um lado ao outro da boca novamente. Eu tenho certeza que escutei um arroto num determinado momento.

Aquela cena ainda era engraçada, mas o que eu vi a seguir não tinha graça nenhuma: ele ficou girando a tesoura na mão e aquele negócio passava incrivelmente perto da minha orelha (não, ele não era o Sweeney Todd brasileiro). Foi inevitável sentir um arrepio de pavor ao ver aquele senhorzinho girando a tesoura no ar tão perto da minha cabeça. Eu achei que sairia daquele salão como mais um Van Gogh: como eu faria para usar os meus óculos sem uma orelha? Para o meu completo horror a tesoura escapou da mão dele, mas caiu sobre ele, o que fez com que parece imediatamente com aquela brincadeira de roleta russa.

Enfim a minha cadeira foi alinhada com o espelho e, para a minha surpresa, o corte ficou fantástico! Eu ainda tentei entender como ele cortou o meu cabelo sem nem eu mesmo sentir, mas nada como algumas décadas de experiência para fazer um serviço de primeira.

Trabalho de mestre, emoção garantida e um preço camarada... Não nego, virei cliente assíduo.

3 comentários:

Deia disse...

hahaha
Engraçado e um pouco lírico! Ainda bem q ficou bom, assim vc pode ser pão duro e com estilo. mudando de assunto, obrigada pelo post e pelas dicas de livro. Assisti ao filme (blink ensaios sobre a cegueira) e não gostei, talvez a história lida seja melhor, vc já viu q ele escreveu ensaios sobre a loucura? fiquei curiosa!!!

Anônimo disse...

Caramba!
Logo que comecei a ler, imaginei na mesma da hora "Deve ser o Sweeney Todd, véi."
Aqui na ciadde o corte é uns 5 conto, e mesmo assim eu prefiri comprar uma máquina e cortar eu mesmo(HeEheh)
Abraços, velho. Tomara que a cada corte surgam novas histórias p/ nós.


P.s.: MInha vó faz a parada com a dentadura. É uma viagem mesmo!

Nando Serra disse...

Dan Dan, que viagem, no meu trampo as vezes aparece uns velhinhos que fazem isso com a dentadura... Agora, "canguinha" segunda vez que escuto essa gíria, a primeira vez acho que foi o Léo que disse...
Bom, preciso conhecer esse salão... hahaha!


Bjundas!