quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Os Fuentes - Parte VIII

Rosa havia saído para comprar um café e Cristóban ficou sentado naquele canto. Ele olhava à sua volta e via tudo meio turvo, trêmulo... Rosa chegou com o copo de café e se deparou com o rapaz estirado no sofá, dormindo. Ela sentou ao seu lado e o chamou.

– Meu filho, eu me esqueci que você deve estar morrendo de sono.
– Estou mesmo, Dinda. Estou há mais de 24 horas acordado.
– Então vá para casa, seu quarto ainda está lá. Fiz questão de sempre mantê-lo em ordem.
– Dinda, eu agradeço, mas ainda não estou pronto para encarar o meu pai. Preciso descansar antes de fazer isso. Eu mal consigo pensar claramente.
– E para onde você vai?
– Eu ligarei para uma amiga da época da faculdade com quem mantenho contato até hoje. Acho que será melhor se eu for descansar lá.
– Amiga? Sei... E por um acaso essa “amiga” se chama Sofie?
– Sim, Dinda. É a Sofie...
– Eu sabia que só poderia ser ela. Eu conheço você muito bem! Lembro como ficava babando sempre que falava dela.

Cristóban ficou meio sem jeito e Rosa deu uma risadinha que queria dizer “Eu sei muito bem o que se passa nessa sua cabeça”. Ele ligou para Sofie que avisou ao porteiro do seu prédio que um amigo iria até lá, e em seguida Cristóban anotou o número dela e entregou a Rosa.

– Dinda, se alguma coisa acontecer basta ligar para este número. Eu venho assim que puder.
– Não se apresse, filho. Vocês dois tem muita coisa para conversar. E deu uma piscadinha de leve para em seguida completar: Apenas leve-me até em casa e fique com o carro.

Já tão vermelho quanto um pimentão, Cristóban balançou a cabeça concordando e levou a governanta até a casa de seu pai para depois seguir até o apartamento de Sofie.

Chegando ao prédio onde Sofie morava, Cristóban foi levado pelo porteiro até o apartamento dela. O homem foi embora e o jovem médico abriu lentamente a porta; ele sentiu o cheiro do perfume de Sofie que inundava o ar com uma fragrância suave e envolvente que o fez ter muitas recordações felizes. Fechou a porta, acendeu as luzes da sala e caminhou entre os móveis até se deparar com uma foto sua abraçado com Sofie em cima de uma mesinha. Era uma fotografia dos tempos em que ela o ajudava na clínica gratuita.

– Como eu pude deixá-la para traz sem dizer o que sentia? Falou ele em voz baixa enquanto olhava o retrato.

Muitas coisas naquele apartamento traziam a ele boas recordações e sem querer um sorriso se estampou na sua face. Pela primeira vez, desde que havia chegado ao México, ele sentia que estava realmente em casa.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Os Fuentes - Parte VII

– Seu irmão sofreu um acidente de carro essa madrugada. O automóvel ficou bastante destruído e por sorte ele não faleceu, contudo houve algumas complicações.
– Que tipo de complicações, doutor? Perguntou Rosa.
– Foi um milagre o Ernesto não falecer, mas num acidente dessa magnitude não há como sair ileso. Ele sofreu algumas fraturas espalhadas pelo corpo, mas não machucou a cabeça o que é bom.
– Realmente, ele teve sorte. Disse Cristóban um pouco mais aliviado.
– Sim, mas ele bateu forte as costas e não consegue movimentar os membros inferiores. Os exames mostraram que não há nenhuma fratura, mas há um inchaço comprimindo os nervos e a medula na altura da última vértebra torácica. Ele está sedado em decorrência das dores e agora temos que esperar os medicamentos diminuírem o inchaço para ver como ele se comporta.

Depois de um breve silêncio, o Dr. Roberto complementou com ainda mais gravidade:

– Eu pedi um exame toxicológico e constatei que ele havia ingerido uma grande quantidade de cocaína e álcool... Desculpe dar essa notícia assim, sei que a situação do seu pai não é nada boa. Ainda mais depois do problema financeiro.
– Que problema financeiro? Indagou Cristóban.

Rosa fuzilou o médico e balançou a cabeça, logo ele percebera que o rapaz ainda não sabia dos problemas financeiros do pai.

– Desculpe-me, Cristóban. Eu não sabia...
– Tudo bem, Dr. Roberto – disse Rosa – eu só não havia contado ainda porque recebemos esse telefonema do senhor pedindo que viéssemos ao hospital, mas contarei a ele agora mesmo.
– Então peço licença. Vou fazer a minha ronda e em breve eu volto para dar notícias do Ernesto.

Rosa olhou para Cristóban. Depois olhou ao redor como se buscasse a melhor maneira de explicar a situação, mas o melhor mesmo era ser curta e grossa:

– Cristóban, seu pai faliu.
– Meu pai faliu? Mas como ele conseguiu falir?
– Aparentemente foi uma seqüência de maus negócios. O último negócio mal feito foi quando ele contraiu um grande empréstimo para construir a nova fábrica e a obra foi embargada pela justiça. Gastou-se muito dinheiro, os prazos foram perdidos e ele teve que pagar este empréstimo a juros altíssimos.
– E a casa, ele também perdeu a casa?
– Não, filho. A casa foi a única coisa que ele conseguiu salvar, além de algumas economias. Foi por isso que você não viu nenhum criado lá dentro, todos eles foram dispensados no final da semana passada. Só eu fiquei.

Cristóban não esperava lidar com tantos problemas, mas sabia que precisava ser forte

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Os Fuentes - Parte VI

Quando Rosa ia dar continuidade à conversa, o telefone tocou no corredor. Ela pediu licença e foi atender:

– Pronto?! Sim, é daqui mesmo...


Cristóban que havia se levantado para dirigir-se até o corredor viu a expressão de pavor no rosto de Rosa assim que ela desligou o telefone.

– O que foi, Dinda? Aconteceu alguma coisa?
– Seu irmão, ele está internada num hospital no centro da cidade. Rápido, vamos pegar o carro e ir até lá!

No caminho Cristóban aproveitou para perguntar a respeito do irmão, Ernesto:

– Dinda, e o Ernesto? A senhora sempre desconversava quando eu perguntava dele nas minhas ligações.
– Desculpe meu filho, o seu irmão não anda nada bem. Dois anos depois de você ir embora descobrimos que ele estava se drogando. O seu pai chegou a mandá-lo para algumas clínicas de recuperação, mas ele sempre fugia.

Cristóban não conseguia acreditar em tudo aquilo que estava acontecendo. Era muita informação pra uma mesma manhã. Ele se perguntava como as coisas chegaram aquele ponto, porque tudo aquilo estava acontecendo.

– Por que a senhora nunca me contou essas coisas?
– E como eu contaria? De nada adiantaria você vir como um louco da África para cá, além do que o Dr. Henrique não queria que você soubesse.
– Não é justo, Dinda! Não é justo! Falou ainda muito aborrecido enquanto se aproximavam do hospital.

Chegando ao prédio principal do hospital, Rosa apontou para um médico que os aguardava na recepção e apresentou Cristóban ao Dr. Roberto Lopez Herrera: filho de pais mexicanos, nascido em San José na Califórnia e com idade próxima a de seu pai. Formou-se em medicina e concluiu seus estudos em cardiologia nos Estados Unidos antes de se mudar para o México e seguir carreira.

– Bom dia, Dr. Roberto!
– Bom dia, Rosa. Como você está?
– Bem, obrigada! Esse é Cristóban, filho do Dr. Henrique Fuentes...
– Olá Cristóban! Ouvi falar muito de você, rapaz. Soube que é meu colega de profissão.
– Sim, eu sou. Cristóban estava nervoso e limitava-se a falar apenas o necessário.

Uma pausa e Cristóban perguntou:

– Como está o meu irmão? O que ele teve?
– Calma, meu rapaz. Eu já explico tudo a vocês. Por favor, sentem-se ali. E apontou para um conjunto de sofás que ornamentavam um canto da recepção.

Os Fuentes - Parte V

Rosa olhou atentamente para Cristóban, colocou as suas mãos sobre as mãos dele e disse gravemente:

– Seu pai está muito doente...
– Meu pai doente, mas como? Ele sempre foi forte como um touro, não pegava nem resfriado.
– Você sabe que seu pai tinha amantes, não sabe? Antes de se separar da sua mãe ele ainda se cuidava, mas depois disso ele se perverteu de uma maneira inexplicável. Passou a freqüentar bacanais, dormia com mulheres e também com homens, fazia orgias que você nem pode imaginar.

O rapaz fitou a mulher com olhar atônito, mal podia acreditar que seu pai – um homem que sempre zelou por sua imagem – participasse desse tipo de coisa. Ele sabia das amantes, mas orgias? Rosa, notando a interrogação no rosto de Cristóban, tratou de pegar um copo d’água para ajudá-lo a “engolir” tais revelações.

– Eu disse que a sua mãe sofreu muito.
– Dinda, a minha mãe era uma santa e eu nem sabia.
– Infelizmente ainda tem mais...
– Mais? Arregalou os olhos e fez um gesto confuso. Aquela loucura não tinha fim?
– Sim, filho, ainda tem mais... Há poucos anos seu pai teve uma pequena irritação de garganta que virou uma infecção. Em seguida ele contraiu um resfriado que quase se transformou em pneumonia. O Dr. Henrique perdeu um pouco de peso e o médico dele recomendou uma bateria de exames... Aquilo que ele mais temia aconteceu, ele contraiu SIDA.

Cristóban estava estático, não sabia o que dizer. Tentava colocar as idéias em ordem, tentava digerir todas aquelas revelações, mas tudo parecia meio irreal.

– Como você soube, Dinda? Eu conheço o meu pai e sei que ele jamais diria isso a alguém.
– Eu fiquei sabendo por que “alguém” precisava cuidar da medicação dele. Você é médico e sabe que esses coquetéis são caros. Seu pai mandava trazer as últimas novidades da pesquisa farmacêutica diretamente dos Estados Unidos e eu cuidava de tudo. O Dr. Henrique não queria, de forma alguma, que pessoas de fora descobrissem. Era aí que eu entrava.
– Quer dizer que o velho finalmente confiou em alguém? Resmungou o rapaz.
– E em quem mais ele poderia confiar? Retrucou a governanta.
– Ao menos uma vez na vida ele fez uma coisa certa: confiou em alguém que merecia confiança. E com o olhar ele agradeceu a sua Dinda.

Por um instante Cristóban parou e tentou escutar os sons característicos daquela casa, mas não ouviu nada. Curioso ele indagou:

– Dinda, eu não ouço os outros criados conversando. Onde estão?
– Não estão, meu filho. Eu ainda não lhe contei tudo...

sábado, 26 de janeiro de 2008

Os Fuentes - Parte IV

O Hércules 56 pousou em uma base militar nos arredores da cidade do México. O dia começava a clarear e Cristóban pegou um táxi que em cerca de duas horas o deixou em frente a residência de seu pai. Pagou a corrida, tirou as suas malas e ficou só na rua.

Cristóban colocou-se diante do imenso portão de ferro e olhou tudo a sua volta – ele tinha a nítida impressão que nada havia mudado. Olhou para o interfone e sentiu suas pernas tremerem, o estômago gelou, um calafrio percorreu a sua espinha e ficou um pouco desorientado. Hesitou por alguns instantes, mas finalmente apertou o botão do interfone:

– Quem é? Perguntou a voz feminina.
– So... Sou... Sou eu, Dinda. Gaguejou nervosamente.

O portão imediatamente se abriu e ele começou a caminhar através do gigantesco quintal em direção a entrada da casa. Ao completar metade do caminho uma senhora muito simpática veio correndo em sua direção. Era Rosa:

– Graças a Deus e à Virgem de Guadalupe, você está bem! E abraçou calorosamente o rapaz.
– Calma Dinda, não precisa arrancar pedaço! E riu da efusiva recepção da governanta.
– Ora essa, seu moleque, eu ajudei a criá-lo! Você é um pouco filho meu, Cristóban. E deu um apertão em sua bochecha para em seguida comentar: – Você está muito magrinho, aposto que não se alimenta direito! Foi o suficiente para aliviar a tensão no semblante de Cristóban e fazer com que os dois dessem boas risadas.

Entraram na grande casa seguindo até a cozinha onde tomaram um copo de café e falaram brevemente sobre as suas viagens à África e todas as barbaridades que presenciou, mas o que lhe interessava mesmo era saber a respeito do pai e o que havia acontecido.

– Cristóban, seu pai está no quarto dele. Ele foi medicado e agora está repousando... Mas o que eu tenho para contar é triste e perdoe-me se não falei nada antes, mas seu pai me fez prometer que nem você e nem seu irmão saberiam.
– O que pode ser tão grave assim que não podemos saber?
– Filho – continuou ela em tom grave – seu pai e sua mãe estavam mantendo um casamento de aparências há muito tempo. Pouco depois do Ernesto nascer, a relação deles terminou. Ele não queria o divórcio porque temia que sua imagem ficasse arranhada, e ela não insistiu porque temia que ele tirasse vocês dois dela. Sua mãe suportou as piores humilhações em nome do amor que ela tinha por vocês.
– Eu não fazia idéia disso, Dinda. Sempre achei que a minha mãe passava por tudo aquilo por ser submissa.
– Não, Cristóban! Não fale uma coisa dessas... Ela jamais foi submissa, mas suportou o seu pai pelo seu bem e do seu irmão.

Cristóban ficou pensativo. Ele sabia que a sua mãe era uma grande mulher, mas nunca imaginou que ela fosse tão corajosa. Na verdade ele via a coragem dela ao auxiliar justamente aquelas pessoas que o seu pai havia prejudicado, mas era tão novo que não entendia. Essas lembranças agora voltavam e ele juntava as peças do quebra-cabeça: “Do modo dela, ela o enfrentou”, e um sorriso brilhou no seu rosto. Rosa continuou:

– Em decorrência dessa separação, os dois sequer partilhavam a mesma cama. Quando você e seu irmão estavam dormindo, ela se dirigia ao quarto de hóspedes e os dois dormiam separados.

Cristóban escutava tudo com muita atenção e mesmo aquilo sendo uma novidade, ele não conseguia se sentir surpreso. As surpresas, no entanto, ainda estavam por vir.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Os Fuentes - Parte III

Rosa ligou para o número que Cristóban havia deixado com ela, era o telefone de um amigo da embaixada do México na Guatemala chamado Jorge Ramirez. Cristóban era de uma equipe médica da Cruz Vermelha que atuava com a ONU no auxílio humanitário às vítimas do furacão. Antes da América Central, ele havia trabalhado com a Cruz Vermelha em Ruanda, Serra Leoa, Angola e Timor Leste. Diante da devastação das guerras civis que ele presenciara, aquele era um cenário menos chocante (apesar de caótico).

Ele ligava periodicamente para a casa do pai a fim de ter notícias de todos sem que sua família soubesse. Rosa contava a ele tudo o que acontecia, principalmente com Ernesto (com quem se preocupava muito), mas havia pedido à governanta que ligasse apenas em uma urgência. Ao receber a ligação na embaixada, Jorge pegou o seu carro foi imediatamente a procura do amigo.

– Cristóban! Ainda bem que eu o achei...
– O que houve Jorge, porque está aqui?
– Ligaram da sua casa... Aconteceu alguma coisa com o seu pai.

Cristóban ficou pálido. Ele sabia que Rosa só ligaria se fosse algo realmente importante.

– Jorge, a Rosa disse do que se trata?
– Não, amigo. Mas ela parecia estar aflita.

O jovem médico pediu que Jorge aguardasse enquanto conseguia a liberação do chefe da sua equipe para resolver os problemas em casa. Ele estava ansioso, não tinha como negar.

– Jorge, eu consegui uma liberação da equipe por sete dias. Preciso de um avião para voltar ao México.
– Cristóban, há um avião da força área retornando essa madrugada para a cidade do México. Eu consigo colocá-lo nesse vôo.
– Obrigado, Jorge! Eu fico lhe devendo essa.
– Não deve nada Cristóban, você já me ajudou bastante.

Cristóban voltou ao alojamento para juntar as suas coisas enquanto Jorge o esperava no carro. Naquela madrugada o jovem embarcou no Hércules 56 com destino ao México. Era a primeira vez que retornava ao seu país depois de brigar com o seu pai.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Os Fuentes - Parte II

Os gritos e socos na porta eram da Sra. Rosa Inês Castillo, a governanta da casa que há anos servia fielmente o Dr. Fuentes. Ela havia ajudado na criação dos dois filhos de Henrique: Cristóban e Ernesto, principalmente quando Maria Lucia (genitora dos meninos) caiu doente em decorrência da leucemia. Rosa era carinhosamente chamada de Dinda pelas crianças.

Maria Lucia era uma mulher linda e esguia. Tinha longos cabelos escuros, sorriso vivo e grandes olhos azuis que encantavam a todos. Henrique costumava dizer que os olhos dela sorriam. A doença levou embora a sua beleza, mas não o constante brilho no olhar. Ela era uma mulher de grande coração, esposa devotada e mãe presente. Conheceu Henrique na faculdade, namoraram e depois de 1 ano ela engravidou de Cristóban. Ele certamente não a amava, pois vivia mantendo relações secretas com outras mulheres, mas Maria Lucia amava Henrique ao ponto de abrir mão de sua independência para se casar e se tornar dona-de-casa.

Além dos filhos e do marido, Maria Lucia se dedicava às causas sociais e, sem o marido saber, ajudava as pessoas que ele havia prejudicado de uma forma ou de outra. Era um trabalho anônimo e árduo e com apenas 9 anos de idade Cristóban era quem mais a ajudava. Ernesto era ainda muito pequeno e ficava aos cuidados de Rosa.

Ernesto herdara os belos olhos da mãe, mas tinha o gênio do pai e desde pequeno notava-se a sua tendência narcisista e hipócrita. Cristóban herdou a bondade e o brilho de sua mãe, era certamente uma pessoa iluminada e sempre se rebelou contra a maneira grosseira e rude de seu pai. Ele não entendia a obsessão do seu genitor em juntar cada vez mais dinheiro e repudiava o fato dele passar por cima de quem estivesse em seu caminho.

Quando Maria Lucia descobriu a doença, encarregou o filho mais velho de dar continuidade ao auxílio que eles realizavam em prol dos necessitados. A mulher era uma lutadora e resistiu até onde pode, mas completamente exaurida depois de tantas tentativas frustradas, acabou por falecer um ano e meio depois: Cristóban tinha 12 anos e Ernesto completara 8 anos.

Vendo que não obtinha nenhuma resposta do Dr. Henrique – depois de tantos socos e gritos diante da porta do escritório – Rosa resolveu ligar para Ernesto, mas não conseguiu fazer contato.

– Aquele moleque deve estar dormindo na casa de alguma vagabunda. Não tem jeito, a vida dele é torrar o dinheiro do pai. Falou baixinho com o telefone ainda na mão.

Pensou em ligar para Cristóban, mas pai e filho não se falavam há alguns anos – desde que ele havia se formado em Medicina e o pai descobrira que o filho usava o dinheiro do patrimônio dos Fuentes para manter uma clínica médica gratuita. Rosa pensou, e pensou... “Preciso ligar, não tem outro jeito”, e ligou.

Os Fuentes - Parte I

Lá fora era dia, por volta das nove horas, e o sol brilhava imponente. A grande janela ficava voltada para o leste e os raios de luz penetravam com muita dificuldade naquele amplo ambiente, apesar da insistência. Alguns pequenos e raros feixes luminosos – que desbravavam a espessa cortina – evidenciavam pequenas partículas de poeira suspensas no ar e desnudavam as curva e arestas dos móveis, quadros e estatuetas a enfeitar o recinto.

No canto da espaçosa sala havia uma poltrona de couro marrom escuro, inteiriça, com encosto muito alto e com detalhes de pequenos e lisos botões costurados nas reentrâncias do estofamento. Sentado nela havia um homem usando um hobby de seda sobre um pijama, aos pés tinha um confortável chinelo e com a mão direita segurava uma garrafa de conhaque quase vazia.

Escutavam-se batidas na porta, mas o homem continuava impassível – com uma expressão aterradora – mirando um ponto no nada, como se estivesse catatônico. As pequenas batidas começaram a ganhar força até que já se notavam socos convulsivos seguidos de alguns gritos:

– Dr. Fuentes, Dr. Fuentes! Por favor, abra a porta!... Mas não havia nada que o fizesse se mover.

O Dr. Henrique Fuentes era um senhor com quase 55 anos. Nascido em família abastada, teve a melhor educação que o dinheiro pode pagar e formou-se em Direito com o único objetivo de cuidar dos negócios da família. Nunca soube o que é passar por dificuldades financeiras e não havia nada que desejasse e não pudesse ter. Era arrogante e egoísta por natureza, notável nos negócios por vocação. A necessidade o fez ser sociável e polido, mas sentia um prazer mórbido em ser cruel; agradava-lhe essa sensação de poder, de decidir a vida das pessoas pelo bem ou pelo mal dependendo do seu humor.

Naquele dia, entretanto, o Dr. Fuentes viu o seu mundo ruir. Ele sentia que o controle sobre as coisas escapara pelos seus dedos. A vida não seria mais a mesma.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Navegar é Preciso...

Um dia desses uma amiga me pediu um conselho e até agora eu não soube ao certo o que dizer. Ela contou que um rapaz pediu a ajuda dela para um problema que ele anda vivenciando. É claro que para opinar eu tive que saber que problema é esse e estou começando a acreditar que ele é uma dessas pessoas auto-destrutivas.

De fato parece que ele sofre de algum mal inexplicável – toma medicamentos fortes várias vezes ao dia para aliviar as suas dores – mas o que ficou sem explicação foi ele afirmar que usa todo tipo de drogas ilícitas justamente para evitar essas dores. Não posso tirar conclusões precipitadas, mas ao que tudo indica essa é a desculpa mais esfarrapada que eu já escutei. Fico preocupado com essa amiga porque ela tem um bom coração e temo que se machuque ao tentar ajudar uma pessoa que certamente requer auxílio especializado (se é que ele realmente deseja ser ajudado).

Este acontecimento me fez pensar porque certos indivíduos procuram o caminho da auto-destruição sem nenhum motivo aparente. A vida não pode ser tão descartável assim. Foi então que eu me dei conta que talvez isso aconteça quando não temos nenhum objetivo, quando não temos nada pelo qual vale a pena viver.

A existência de cada um de nós é como um barco em alto mar e se você resolve pular antes de chegar ao destino, certamente vai morrer: deixar o barco já é meio caminho para uma sentença de morte. Talvez alguns saltem da embarcação por ela ter ficado à deriva ou porque são incapazes de acertar os lemes no rumo correto, talvez o façam por serem fracos demais para enfrentar as tempestades, as grandes vagas e a falta de ventos.

O meu barco (ou minha vida) em nada faz lembrar um navio de cruzeiro, mas não podemos perder a esperança e, acima de tudo, o bom humor ao enfrentar os revezes. Às vezes é preciso lançar âncora, tomar um bom gole de rum, cantar uma velha música de corsário e gritar “Yo-ho” a toda força. É essencial manter o moral elevado!

É evidente que mais cedo ou mais tarde o meu navio vai afundar, seja por estar velho demais ou por sofrer algum acidente. Isso acontecerá com todos nós, sem exceções, mas deixar o barco no primeiro sinal de dificuldade – como fazem os ratos – não é a solução dos problemas.

Pensando ser imprescindível tirar um sarro da vida eu decidi que quando o meu navio estiver com os dias contados, balançando de um lado ao outro – e a vida estiver por um fio – vou ficar pelado no meio do convés e aproveitar a agitação das ondas para morrer dançando a macarena.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A Vida é um Saco Plástico

Os últimos dias têm sido tão cansativos!... Até mesmo pensar tem sido um trabalho árduo. Não sei definir se esse seria só um cansaço mental ou algo mais parecido com preguiça... Que seja!

Nessa minha lassidão mental, ao tentar pensar um pouco na vida, acabei por trilhar caminhos da mais pura filosofia de botequim. Não, eu não estava cercado por tremoços, torresmos, ovos de casca colorida e cerveja em copo sujo. Eu estava em casa quando tal pensamento surgiu como a mais veloz corrida do Rubens Barrichelo: devagar e quase parando. Meu corpo estava aqui, mas minha mente estava em algum boteco – desses mais sujos – onde o dono do “respeitável” estabelecimento usa o mesmo pano de enxugar louça para colocar sobre o seu ombro já tão suado.

Mas voltemos à filosofia e deixemos o botequim: a base de todo o meu pensamento filosófico é um saco plástico (como esses de supermercado). Veja bem, a vida é como um saco plástico! Isso não é incrível? Eu não me orgulho deste pensamento, mas fazer o quê?

Traçando essa analogia eu descobri o seguinte: quando o saco plástico está vazio, qualquer leve lufada de vento o leva embora sem rumo e sem destino (assim como a vida quando está vazia); quando o saco plástico está cheio demais, quando comporta uma capacidade maior do que deveria, ele simplesmente se rompe e fica inutilizável (assim como a vida se desfaz quando cometemos contínuos excessos). A sabedoria está em não ter o saco plástico vazio, mas também não deixá-lo ficar muito cheio, assim ele não se rompe e também não se perde. A vida é exatamente da mesma forma: precisa de um ponto de equilíbrio (nem 8 e nem 80).

Neste momento os leitores pensarão “Ah! Era isso?”. Em seguida ficarão na dúvida se esta é uma idéia séria ou estapafúrdia, se estou tentando passar uma mensagem positiva através de um texto leve ou se estou gozando de todos – nem eu sei ao certo, então tirem as suas próprias conclusões! A única certeza é que eu precisava espalhar essa idéia, como se fosse um desabafo, pois é muito melhor manter o meu saco vazio e intacto do que deixá-lo cheio até se romper... Haja saco!

domingo, 6 de janeiro de 2008

O Pacote de Pão de Forma


Certo dia eu estava conversando com uma amiga e comentávamos sobre as nossas desventuras amorosas. Foi um bate-papo tragicamente cômico e ríamos da nossa evidente estupidez sobre as coisas do coração.

É impressionante o paradoxo que vivemos nestes tempos de internet e globalização. A tecnologia melhorou sensivelmente e reinventou a maneira como nos comunicamos, as distâncias geográficas foram virtualmente sumindo ao ponto de trocarmos informações em tempo real com alguém que esteja na Índia ou no Japão. Por outro lado, e apesar de um maior contato com outras pessoas, as relações inter-pessoais sofreram um magnífico revés: parece-me que o avanço tecnológico nos tornou indivíduos mais frios. A internet “diminuiu” as distâncias, mas aumentou o abismo das relações humanas.

Este tal abismo não é culpa do mundo virtual onde se cria uma imagem ou uma personagem que não correspondem à realidade do que somos; o ambiente digital é um reflexo da nossa desesperada tentativa de sermos algo mais do que gostaríamos, de suprimir nossas imperfeições em busca de alguma aceitação. A culpa é, de fato, da era em que vivemos: cultuam-se a forma em detrimento do sentimento, a competição em detrimento da amizade e a produtividade em detrimento da qualidade de vida. Não há como negar, é uma época em que o capitalismo tornou-se um monstro devorador de sonhos e isso só foi possível graças à valiosa ajuda da mídia e seu apelo consumista: nunca se deu tanto valor ao dinheiro e aos bens materiais.

É evidente que viver em um sistema tão cruel quanto este, obrigando-nos a ser como máquinas, acabaria por afetar as nossas relações pessoais: tudo começa pela desestabilização da família, passando pela criação de indivíduos sem adequados princípios morais e culminando em adultos perdidos. As relações amorosas naturalmente sofreriam um certo impacto, já que a superficialidade e a falta de compromisso são os tons da música. O que esperar de uma sociedade onde romantismo e sentimento pelo próximo são piegas, e se diz que a aliança no dedo é um “bambolê de trouxa”? Quando o sujeito finalmente consegue se engajar em um relacionamento “sério”, acaba descobrindo que aquela relação não passa de uma forma barata de tiranismo que ocorre quando o segundo elemento envolvido (ele ou ela) usa o namoro, noivado, ou seja lá o que for, para impor-se e para fazer valer apenas a sua vontade.

Essa minha amiga, durante a animada conversa citada anteriormente, mencionou que se sentia como uma frigideira: sem tampa que servisse nela. Para mim está muito clara a dificuldade que existe atualmente para encontrarmos a “tampa da nossa panela”. Ela certamente sente que veio ao mundo para ser frigideira ou cumbuca (você já viu uma cumbuca ter tampa?). Mas eu quero facilitar as coisas para mim – eu também me sinto como uma cumbuca – e na próxima encarnação eu pretendo voltar como embalagem de pão de forma, assim qualquer aramezinho pode fechar o pacote.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Haikais

Como eu havia prometido, postarei aqui alguns haikais. Vocês notarão que nem todos seguem as 4 regras básicas para se montar um haikai e isso se deve às adequações desta técnica com a nossa língua portuguesa.

Escrever haikais é uma boa maneira de treinar a escrita e a concisão: é preciso dizer muito em pouco espaço. Eu notei também que os haikais costumam não ter títulos.

Então aqui estão alguns dos que eu fiz:

"Ano novo chato
almoço muito sem graça
comi um miojo."

"Lua muda a maré
Água cobre a areia
Caranguejos fogem"

"Chuva vem do céu
Molha o bonsai pequeno
Bonsai cresce forte"

"Morre bela flor
Pela mão da rude dama:
Chora o meu amor"

"Durmo sob estrelas
E a lua ilumina
A vasta ravina."

"Beijo, quente lábio,
Língua invade a boca:
Sussurrares loucos"


Se alguém tiver alguma sugestão ou fizer algum haikai, envie-me que eu coloco aqui como exemplo.
É isso aí pessoal, bom divertimento!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

O que é um Haikai?


Haikai é um poema de origem japonesa, que chegou ao Brasil no início doséculo 20 e hoje conta com muitos praticantes e estudiosos brasileiros. No Japão, e na maioria dos países do mundo, é conhecido como haiku.

Segundo Harold G. Henderson, em Haiku in English, o haikai clássico japonês obedece a quatro regras:

  • Consiste em 17 sílabas japonesas, divididas em três versos de 5, 7 e 5 sílabas;
  • Contém alguma referência à natureza (diferente da natureza humana);
  • Refere-se a um evento particular (ou seja, não é uma generalização);
  • Apresenta tal evento como "acontecendo agora", e não no passado.

No "transplante" do haikai para outros países, algumas das regras anteriores são seguidas com maior ou menor fidelidade, enquanto outras podem ser mesmo ignoradas, dependendo de cada poeta ou da escola seguida.


COMO CONTAR SÍLABAS

A contagem de sílabas deve obedecer à tradição métrica portuguesa. Isto significa contar apenas até a sílaba tônica da última palavra do verso. Além disso, através do processo de elisão, fundem-se as vogais de sílabas vizinhas, de acordo com a pronúncia.

Vejamos o seguinte exemplo:

"Raios de luar:
Bolhas nas águas do lago

saltam rãs e sapos."

Fanny Dupré

Neste poema, verificamos a seguinte metrificação:

RAI-OS-DE-LU-AR:
1 2 3 4 5 LUAR é palavra oxítona: a última sílaba é pronunciada mais fortemente e por isso é a tônica. Logo, contam-se cinco sílabas.

BO-LHAS-NAS-Á-GUAS-DO-LA-go
1 2 3 4 5 6 7 LAGO é palavra paroxítona: a sílaba LA é a mais forte, e por isso é a tônica. Logo, contam-se sete sílabas.

SAL-TAM-RÃS-E-SA-pos.
1 2 3 4 5 SAPOS é palavra paroxítona: a sílaba SA é a mais forte, e por isso é a tônica. Logo, contam-se cinco sílabas.

Retirado do seguinte link: http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=18233&tid=2531480187774106558&start=1

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Tendo entendido o processo de criação de um Haikai, vamos criá-los!
Em breve colocarei alguns aqui.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

O Miojo e o Ano Novo

Mais um ano nasceu. Essa é a época em que se criam todas as expectativas de um futuro cheio de alegrias, de conquistas, enfim... É impressionante como o povo gosta de se enganar, como se o mundo fosse cair em seus colos por pura e simples vontade divina. A realidade é bem diferente!

A chegada de 2008 foi, sem dúvida alguma, a mais sem graça que eu já tive nos meus 29 anos de vida. Não porque eu não tenha motivos para me alegrar – vislumbro coisas muito positivas neste ano para a minha carreira – e tão pouco por ter estado longe das pessoas que eu amo (tive a todas bem perto). Acho mesmo que o que mudou foi a minha cabeça e a maneira como eu vejo as coisas. Aquela velha inocência que insistia em permanecer agarrando-se heroicamente no meu peito, acabou por desfalecer sem mais agüentar as seguidas pancadas que a vida infringiu em nós dois (eu, porém, sou mais forte).

A vida agora me parece mais cruel, mas por outro lado eu enxergo com maior facilidade as armadilhas que se apresentam no caminho. Sim! É muito ruim não conseguir confiar nas pessoas, mas eu faço uma analogia que pode equilibrar um pouco essa balança: confiar em alguém é como estar no último andar de um arranha-céu, enquanto não confiar é como permanecer de pé no topo de uma pequena escada. Você já se imaginou caindo do último andar de um arranha-céu? Não quero, com isso, dizer que não se deva jamais confiar nas pessoas, mas é preciso escolher bem por quem gostaríamos de dar um salto no vazio; pular do mais alto dos prédios sabendo que, inevitavelmente, beijaremos o chão. Lembre-se que também podemos nos machucar feio caindo do topo de uma escada.

A minha virada de ano foi bem sem graça, é verdade, e para evitar constrangimentos eu sequer apareci no dia seguinte para o famoso almoço da família – cheio das coisas mais gostosas que se possa imaginar. Eu preferi ficar em casa – degustando um macarrão instantâneo – partilhando da companhia de uma das poucas criaturas em quem eu posso realmente confiar: eu mesmo! Nunca, em toda a história moderna, um miojo de carne teve o sabor de um banquete.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Tuas Mãos











Ainda que distante, eu desejo.
E na calma do teu toque, eu me perco...
E me acho, no calor das tuas mãos.

Por que livros?

Há poucos dias eu pensei em algo que estava me incomodando. Eu vi, em algum lugar, uma matéria sobre pessoas que muitas vezes passavam necessidades só pra poder adquirir o seu sonho de consumo.

Não entra na minha cabeça como uma pessoa pode deixar de colocar dentro de casa aquilo que é essencial apenas pra poder comprar uma roupa de grife, um celular ultra moderno ou qualquer outra porcaria que os meios de comunicação em massa tentam nos empurrar “goela abaixo”. São propagandas que mostram bonitas modelos ou a família perfeita. Na verdade o que as pessoas acabam comprando não é o produto, mas a idéia, o conceito de felicidade – quem dera se a felicidade pudesse ser vendida em pequenos frascos nos supermercados de qualquer cidade. Infelizmente, os incautos acabam comprando essa idéia e, é claro, em pouco tempo vem a insatisfação e o vazio... O que sobra é a sensação de que se foi enganado.

Já que as pessoas fazem tantos sacrifícios para comprar um carro ou uma tv novos (mesmo que não necessitem), então seria mais inteligente que comprassem livros! As vantagens são muitas: definitivamente, é bem mais barato; é uma fonte inesgotável de cultura; possibilita que viajemos até os confins da Terra ou por lugares mágicos e cheios de mistérios; armazenam conhecimento científico e tecnológico; propagam a beleza através de romances e poesias; mostram a verdade nua e crua e fazem revelações que mudam os rumos da história. Lendo, o ser humano cresce e amadurece, amplia seus horizontes e se coloca em condições de aproveitar as melhores oportunidades (na vida, no trabalho, etc.).

Livro sempre é pouco e nunca é demais. A leitura alimenta a nossa alma, nos protege contra as apelações da mídia ao consumismo e evita que padeçamos na ignorância.

Comecemos hoje mesmo a montar a nossa pequena biblioteca e um dia não será mais necessário fazer esse tipo de apelo, pois nossos filhos naturalmente reconhecerão nos livros uma maneira saudável de cultivar a felicidade.