sábado, 28 de fevereiro de 2009

O Violonista

Ele abriu os olhos com a sensação de que alguém o chamava. Sentia-se estranho, a cabeça doía demais e do lado da poltrona havia uma garrafa vazia de um uísque barato.

- A apresentação! - gritou e pulou em único salto. Tudo girava. Estava tonto, ébrio... Fedia a álcool e charuto.

Pegou o seu violão e sentou-se em uma cadeira simples. À sua volta, apenas escuridão com exceção de uma lâmpada iluminando um pequeno pedaço de papel que trazia a seqüência de algumas músicas que ele deveria executar naquela noite.

As cortinas ainda estavam fechadas e o instrumentista sentia-se nauseado. Notou que estava sozinho e pensou: “Que diabos! Onde estão os outros?”. Resolveu adiantar-se. Colocou o violão no colo, ajeitou-se e começou a afiná-lo. Apertava uma tarraxa, soltava outra, batia as cordas desde a sexta até a “mizinha” comparando uma a uma até que, no dedilhar, ele notasse que nada soava estranho ao seu apurado ouvido. Para provar que a afinação estava correta, começou a tocar o “Carinhoso”. Acompanhou com a voz numa suave melodia e cantava melancolicamente: “... E os meus olhos ficam sorrindo e pelas ruas vão te seguindo, mas mesmo assim... Foges de mim...”. Uma lágrima escorria, lembrou-se de Alice. Não mais a vira depois que ela o deixou. A bebida e a vida boêmia que levava haviam afastado a sua doce Alice para sempre. Lembrava tristemente da única mulher que realmente amou: “Longe dos olhos e perto do coração”, balbuciava entre suspiros.

Ele estranhava a demora para começar o espetáculo e sequer conseguia ver a cortina tamanha era a escuridão. As suas platéias eram sempre imensas. Todos queriam ver o seu talento extraordinário ao violão. Ele tocava como poucos! Percebera que não se lembrava como havia saído da poltrona e chegado até ali, achou aquilo muito esquisito.

Assim como muitos artistas, seu temperamento era muito forte! Resolveu que começaria a tocar ali mesmo, sem cortinas abertas e sem os demais músicos. As pessoas certamente ouviriam o seu instrumento e gritariam para que a apresentação começasse sem mais demora. Seguiu o roteiro que havia escrito no tal papel e estava tão absorto no que fazia que nem se deu conta que tudo era silêncio ao seu redor... Um silêncio aterrador e cruel.

Acabou a sua apresentação pessoal e estava feliz. Contentava-se consigo mesmo; o orgulho do violonista era grande demais e sua arrogância o tornava um egoísta irremediável: típico de alguns gênios. No entanto, conforme o porre ia passando, ele percebeu que a poltrona estava logo ao seu lado. Notou que além daquela garrafa havia ainda outras já secas, e onde ele pensava estar a platéia encontrava-se a sombria sala do seu apartamento com dois sofás e uma pequena estante. Ele tocara para ninguém porque ele mesmo se sentia assim, um ninguém.

O violonista recordou que há muito estava sozinho e apenas retardava tais lembranças mantendo-se constantemente bêbado. Seu violão era a única companhia que lhe restara.

Amargurado pelas dores infringidas por ele mesmo, o músico retirou-se do palco da vida para cair no mais completo esquecimento.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Terça-Feira de Carnaval

Já é terça-feira de carnaval
e eu fico a cultivar memórias
que nem mesmo são minhas.

Sim, é terça-feira de carnaval
e eu escuto o burburinho de senhoras
cantando as últimas marchinhas.

Que termine esta terça-feira de carnaval!
Pois é chegada a hora da despedida
das ilusões de quem nunca se encontrou.

Sim, sim, a festa terminou
e agora – de fato –
sinto que a vida começou.

Acabou mais uma terça-feira de carnaval...
E recoloco a máscara para o baile da vida
na tentativa de fingir o que eu não sou.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Mais um Carnaval

Mais um carnaval se aproxima e como todos os anos eu começo a ficar mal humorado. Muito me agradam as legítimas manifestações culturais mais presentes nessa época, como o Frevo e o Maracatu, também merecem destaque as festas dos bois amazonenses. O que realmente me irrita é esse carnaval fabricado das escolas de samba, dos trios elétricos e das micaretas: nada mais superficial!

Eu não vejo a menor graça em assistir uma agremiação desfilando em um sambódromo por mais de 1 hora, são muito melhores aqueles pequenos blocos que saem nas ruas fazendo uma bagunça irreverente com o intuito de deixar no esquecimento – ainda que por alguns instantes – os chatos problemas do dia-a-dia. E as atuais músicas das escolas de samba? Parece que perderam o compasso dos tempos dourados; as batidas e ritmos são sempre os mesmos e se colocarmos a letra de um samba enredo na melodia do outro se notará que muito pouco (ou quase nada) muda.

Apesar disso, ainda há quem goste de ver a “Mangueira entrando” na avenida. Eu sei que o trocadilho é maldoso, mas tem razão de ser. O que aconteceu com o carnaval para que se chegasse ao ponto de muitas pessoas terem raiva desta data? A resposta é muito simples: o carnaval foi prostituído! Pode parecer muito forte essa afirmação, mas é a mais pura verdade. O carnaval (esse fabricado) gera milhões em receitas e a idéia que se vende nessa época é que para ser feliz o sujeito precisa encher a cara de cerveja até cair e transar feito um coelho. Tudo é uma completa loucura, uma confusão, um verdadeiro samba do crioulo doido.

Não existe nenhuma outra data do ano que me faça querer tanto ir para um lugar isolado como o carnaval. Pra todo lado que eu olho vejo o comércio que é feito nesse período, principalmente para o público masculino, através dos corpos seminus de esculturais modelos (aliás, isso é uma prática adotada o ano inteiro pelas cervejarias – quem bebe cerveja faz isso porque gosta e não por causa do traseiro da Juliana Paes). É claro que agrada aos olhos ver tanta mulher bonita, mas a melhor cerveja ainda é feita em Petrópolis-RJ desde 1853 e eles não usam essa tática.

Pra quem não gosta desta data o negócio mesmo é fugir para algum lugar bem sossegado e livre de aborrecimentos, mas para pessoas como eu (sem um tostão no bolso) o melhor a se fazer é fechar as janelas, desligar a tv, ler um livro e escutar o bom e velho rock’n roll.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Foto Poema I


Esperança
Fotografia de Dandara Borges

http://www.flickr.com/photos/dandara_borges/1509622127/

Despedaçada que ficou – não pelos bem e mal me queres –
mas certamente pelos ventos de sudeste,
destino pouco grato lhe aguarda
e ainda com sua força em fino caule se agarra.

Florzinha amarela, tão comum, tão normal,
reserva em sua essência a semente da esperança:
aquela que promete vida carregada no bico do beija-flor
e espalhada em terra fértil, dará floradas ao meu amor.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Quem é Essa Tal Felicidade?

Sábado à noite, dia das pessoas se divertirem. Mais ou menos porque nem todos estão numa balada, nem todos estão sentados em uma mesa de bar jogando conversa fora, nem todos estão paquerando e tentando “se dar bem”. Eu, por exemplo, estou em casa em pleno sábado à noite escrevendo uma crônica. Na verdade, antes disso eu estava estudando química orgânica para uma prova que eu tenho na faculdade. Diabos! Não há nada de divertido nisso... Como dizem uns amigos meus: “Tem dias que a noite é foda!”, e esta está sendo apenas mais uma dentre tantas outras.

É claro que eu poderia estar lendo (algo que me deixa feliz), mas terminei meu último livro há alguns dias. Já leram “A menina que roubava livros”? A narração é simples e a estória emociona. Talvez seja o contexto: uma família alemã muito pobre tentando viver em anos de guerra. Recomendo, é um bom passatempo.

Essa noite eu até tinha pra onde ir, mas confesso que tremi. Um possível encontro, só que estou tão cansado de tudo...

Refletir sobre esse momento me fez pensar em uma questão profunda: as pessoas em geral têm medo da felicidade. Sim, isso é uma afirmação! A maioria das pessoas têm medo da felicidade e cada uma deve ter a sua razão. O mais engraçado é que constantemente elas reclamam viver uma vida miserável, aquém daquilo que elas “merecem”, mas será que realmente merecem?

Bom, a essa altura algumas pessoas devem estar pensando “Que sujeito maluco! Onde já se viu alguém ter medo da felicidade... Eu a desejo!”. Na verdade, se você pensou isso, então a carapuça tenha lhe servido como uma luva. É verdade, você também tem medo da felicidade. Eu posso citar muitos exemplos que ratificarão a minha afirmação sem que fique qualquer sombra de dúvidas, mas daí esse texto deixaria de ser uma crônica para se tornar um manual de conduta e eu, sinceramente, não acho que seja capaz de dizer o que cada pessoa deve fazer da sua vida.

Eu certamente passei a ter medo dessa tal felicidade alardeada por todos que deve ter – obrigatoriamente – um romance com um final feliz. Sinto muito pessoal, mas não existem finais felizes na vida real, pelo menos não desse jeito.

Eu só gostaria de saber a razão de muitos crerem que só serão felizes com outra pessoa. Até uma música diz “É impossível ser feliz sozinho”. Ora, raios! Nós nascemos grudados a outros indivíduos? Ainda bem que não, senão nossas mães morreriam rasgadas nos partos. Somos seres independentes, organismos independentes. É evidente que estamos inseridos em um universo onde tudo o que fazemos atinge os outros (como uma reação em cadeia), mas isso não significa que seja necessário viver um romance para ser feliz.

Por que ninguém nos ensina que escolher o nosso próprio caminho pode nos fazer felizes? Por que ninguém fala que ajudar o próximo nos traz uma felicidade imensurável? Por quê? Fomos tão acostumados a seguir aquilo que sempre nos era dito que deixamos a nossa individualidade se transformar no desejo coletivo.

Sabe, acho que eu fiquei com medo de ter que viver essa felicidade na qual todo mundo acredita e por isso estou em casa em pleno sábado à noite. Talvez a necessidade de descobrir a felicidade do meu jeito me faça ficar aqui, porque em um mundo tão cheio de diversidade é impossível aceitar que a felicidade seja apenas isso; deve haver algo mais.

Eu ainda procuro a minha felicidade de um jeito diferente. E você, vai continuar seguindo a modinha?

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Gotinha Sem-Vergonha

Ah, gotinha sem-vergonha!
Que insistes em não cair.
Agita-te em vão na calha do carro
e nem o vento te derruba daí.

Ah! Gotinha sem-vergonha...
Que segue em carona no meu transporte.
Nem te incomodas em andar de graça,
mesmo que seja a perigo de morte.

Ah... Mas que gotinha mais sem-vergonha!
Tão irritante e insistente como fora Dona Maria Antonieta,
e segura no vai e vem das sinuosas curvas
da velha Via Anchieta.

Ah! Gotinha sem-vergonha
que pulaste dentro do carro quando abri a janela,
caíste no meu olho de forma ligeira
a escorrer pelo meu rosto como se lágrima foste.

Ah, gotinha sem-vergonha!
Tu me fizeste dar uma gostosa risada...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Chamado de Amor

Sim, continuo a esperar
(e nem sei por quanto tempo)
desejando os braços teus
enlaçando os braços meus,
fantasiando este momento.

Há tanto tempo fico a aguardar
que minha alma já se faz um pouco morta,
deve ser esta carência sem lugar
que me faz querer teus beijos
de perfumadas pétalas de rosas.

E aquele dia que se avizinha
nem sei mais se vai chegar,
pois perdido que estou sem teus carinhos
mais difícil ficou de te encontrar.

Gostaria de um dia ter a lembrança
de arder tão docemente em nosso amor,
sorrindo alegremente qual criança
que um dia se encontrou no teu calor.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Aconteceu Hoje

Sabe aqueles dias em que você acorda um tanto apreensivo? Como se alguma coisa fosse acontecer? Hoje eu acordei assim...

Eu não sabia o motivo até chegar ao trabalho, ligar o computado e encontrar uma amiga on-line. Ela está com problemas e isso me deixou um pouco angustiado, não só pelos problemas dela, mas porque ela está muito longe.

Essa amiga é uma dessas pessoas diferentes, que saem do habitual. Tenho um carinho enorme por ela... Na verdade, é mais do que apenas carinho. Sinto por ela um amor imenso! E ela está longe, muito longe...

Acho que a minha maior frustração é não poder fazer por ela tudo o que eu gostaria; por não poder protegê-la como ela merece; por não poder oferecer o meu ombro para consolá-la; por não poder abraçá-la e dizer: – Tudo bem, eu estou aqui.

Então, de uma maneira inexplicável, eu a sinto. Sinto a sua dor e, de alguma forma, sei que ela me sente. Depois de alguma conversa ela fica um pouco melhor, apesar do problema ainda persistir. Considero que a conversa ainda é pouco, a minha vontade era de colocá-la no colo e cantar uma canção de ninar; brandir as mãos por sobre a sua cabeça e espantar as nuvens negras. Enquanto isso não acontece, eu continuo orando e pedindo que ela tenha forças.

Você tem alguém assim na sua vida? Alguém que não pode tocar com os dedos, mas sente que pode tocar com o coração? No dia em que aprendermos a tocar as pessoas primeiro com o coração, pra depois tocá-las com os dedos, o amor será levado a um novo patamar.

No momento eu só posso tocá-la com o meu coração, mas aguardo o dia em que poderei tocá-la com os meus dedos...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A Carta

Aflita, ela fitava a rua e esperava. Olhava para um lado e para o outro, e nada dele chegar.

Ana Clara era uma jovem virtuosa e fora criada para o casamento. Apesar de sequer completar 18 anos, ela já sabia coser roupas com uma habilidade invejável, além de ser uma quituteira de mão cheia. Ah! Seus doces... Comê-los era como ser beijado por anjos. Sempre que cozinhava, lembrava o que dizia a sua mãe: “Se não pode agarrar um marido pelo coração, agarre-o pelo estômago!” – e ria sozinha. Ana Clara não precisava de tais artifícios, ela tinha atributos que a faziam ser notada: longos cabelos castanhos cacheados, profundos e brilhantes olhos verdes, nariz e boca bem feitos, mãozinhas macias e delicadas, era um primor de moça.

O relógio já marcava 10h00 e nada dele chegar. A jovem esperava pelo carteiro que deveria trazer uma carta de seu amado Francisco, mas os minutos passavam e a angústia só aumentava.

Francisco era um rapaz simples e de sorriso cativante. Sua honestidade, senso de justiça e vontade de trabalhar faziam dele uma pessoa querida por todos. Francisco e Ana Clara conheceram-se ainda com 16 anos e casaram-se havia poucos meses, mas o tiro de guerra e a conturbada situação na Europa levaram o jovem aos campos de batalha italianos. Eram aqueles anos de muito temor e milhares de praças brasileiros foram enviados para combater os exércitos de Adolf Hitler.

Havia mais de um mês que Ana não recebia nenhuma mensagem e isso a inquietava – já que Francisco escrevia com certa freqüência –, a cada quinze dias ela lia e relia as cartas que recebia do amado. Eram bálsamos ao seu coração, mas a demora em tê-las fazia com que chorasse por muitas noites.

Impaciente, virou-se de costas para olhar através da porta da sala até uma parede oposta onde se encontrava um grande relógio de pêndulo montado em um móvel de madeira muito escura. Voltou os olhares para a rua e permitiu-se, por um instante, a distração de observar os vasos que enfeitavam a varanda onde estava. Já haviam passado 10 minutos...

Ouviu então o tilintar de uma campanhia de bicicleta e viu o carteiro vindo da esquina. Ela gelou, ficou estática e só conseguia acompanhá-lo com os olhos até que o viu depositando alguma coisa na caixa de correio. Hesitou por um breve momento, mas ao ver a bicicleta partir atravessou as escadas da varanda em um pulo e em largos passos chegou até as correspondências. Procurou convulsivamente por algo de Francisco, olhou mais de uma vez, mas nada encontrou; entristeceu-se. Ao levantar os olhos, observou um velho Ford com placa oficial parando do outro lado da rua. De dentro do carro saiu um homem impecavelmente vestido com uma farda do exército carregando um envelope nas mãos; estendeu o braço em direção a Ana Clara e com a cabeça ainda baixa disse:

– Senhora, eu sinto muito! Seu marido lutou bravamente, salvou muitas vidas. Infelizmente, em um ato de heroísmo, ele perdeu a própria vida – o homem fez um cumprimento meio sem jeito e partiu.

Ana ficou com o envelope nas mãos, atônita. Faltou-lhe o ar e tudo começou a escurecer; desmaiou. Deste dia em diante, Ana Clara jamais foi a mesma e era possível vê-la todas as manhãs na varanda – até o dia de sua morte – , às 10h00, esperando o carteiro trazer notícias do seu amado Francisco.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Sorriso de Mil Marias

Pedi à Lua que velasse o teu sono
nas noites em que solitária estiveste,
e as estrelas seriam a colcha celeste
revestindo o teu corpo nu.

A luz borrifada, que então surgiria,
dispersaria o breu e descortinaria as tuas curvas
que em meio à penumbra
seriam a escultura pura do prazer e da paixão.

Sonharia com os teus braços,
refúgio de um amor que alucina;
e nos teus seios dormiria, e acordaria:
tu serias o rincão de uma alma perdida.

E ainda que aí eu não estivesse,
sentirias uma morna brisa tocando a tua carne macia
como se os meus beijos mais quentes
a cobrissem da mais pura alegria.
E tu sorririas... Um doce sorriso de mil Marias.